02/05/2016 02h01
Os frequentadores de
jantares inteligentes não gostam do povo. Mentem quando se dizem preocupados
com ele. Essa preocupação só serve para alimentar a vaidade deles ("Como
sou bom! Até me sinto mal quando tomo vinho, só de pensar em quem sofre na fila
do posto de saúde!"). Outra vantagem de "amar a ideia de povo" é
a carteira de "projetos" rentáveis junto ao governo.
Bom, isso nada tem de
novo. Qualquer um que olhe a sua volta vê o nojinho que os inteligentes
alimentam pelo povo. Ainda que chamem suas empregadas de "Dôdo" ou
"Tatá".
Muita gente, nos últimos
dias, falou daquilo que para muitos foi um vexame na votação do impeachment na
Câmara: "Em nome de Deus, da minha família...". Mas eu gostaria de
aprofundar um pouco o nojinho que aquelas confissões em Deus e na família
despertaram nos jantares inteligentes desde o domingão de 17 de abril.
Minha hipótese é
simples. Penso que o nojinho aqui vai além do blábláblá sobre a "qualidade
de nossos políticos". O nojinho é, na verdade, nojinho de Deus, da religião
e da família mesmo.
Poderíamos fazer uma
sociologia desse "mundo das letras" no tocante aos afetos, rancores,
ressentimentos e solidão que, provavelmente, levaria sua segunda-feira a um
astral meio ruim. Por isso, vamos deixar de lado essa sociologia triste.
Seria fácil
identificar em muitos ateus rancorosos (mesmo que digam que não) um ódio de
Deus que os faz pensar mais Nele do que os crentes o fazem. Quanto mais militante
é um ateu, mais problemas ele tem com seu papai ("daddy issues", como
se fala em inglês). E o que falar da solidão em meio a livros e aulas, muitas
vezes irrelevantes? E a inveja de quem consegue ter uma vida familiar
gratificante por anos a fio? Sim, sei que prometi não pegar tão pesado, por
isso paro por aqui.
E isso existe mesmo?
Existe essa coisa de "vida familiar gratificante"? É possível ser religioso
e inteligente? Só alguém sem informação, inculto ou inseguro pode ser religioso,
não? Já voltaremos ao nojinho pela família, mas por agora examinemos o nojinho
por Deus e pela religião.
Uma sociologia básica
do ateísmo mostra que parece haver alguma relação entre aumento de repertório e
dúvidas com relação a fé. Países com alto nível de escolaridade se aproximam do
chamado ateísmo orgânico. Ateísmo orgânico é a forma de ateísmo a que se chega
sozinho após se informar e refletir sobre deuses e religiões e ver como tanto
os deuses quanto as religiões são repetições banais das mesmas crenças ao longo
dos séculos. Para não falar de todos os picaretas que roubam centenas de milhares
de pessoas ao longo dos séculos com o blábláblá dos "poderes
espirituais".
Claro
que em épocas do politicamente correto e dos ofendidinhos que empesteiam o mundo
com o seu mimimi, todo mundo tem que posar de "doce relativista" e esconder
que suspeita que essa "gente simples" que crê em pastores, padres e
afins seja gente ignorante que não entende nada da realidade.
Mas a
repressão do desprezo por quem acredita nessas bobagens religiosas, tão bem
instalada no dia a dia social, explode na hora em que aparece associada a algo "desprezível"
como ser contra o PT. É fato que esse desprezo disfarçado de "doce relativismo"
está mais presente em gente que tem "fé na luta pela igualdade
social".
Qualquer
pessoa um pouco mais atenta sente o cheiro da condescendência quando essa gente
culta é obrigada a conviver com aquela gente estúpida da fé. E o nojinho da
família? Esse é fruto de ideias como "família é o lugar da opressão patriarcal",
"família é coisa de gente heteronormativa". Basta alguém dizer que
uma mulher é "recatada e do lar" para um exército de chatos e
ofendidos saírem de seus buracos e protestarem contra a opressão exercida pelas
mulheres "recatadas e do lar" sobre todas as outras que não querem
ter recato ou um lar.
O
número de pessoas solitárias e sem filhos que ensinam por aí o que é uma
família ou como educar um filho nos faria dar risada. Pode-se votar em nome de
assassinos "revolucionários", mas em nome da família, jamais.
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2016/05/1766709-nojinho-de-deus-e-da-familia.shtml
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