Pela primeira vez na história, cientistas desenvolveram embriões
humanos fora do corpo da mãe durante quase duas semanas. O estudo, feito por um
time de cientistas da Universidade Rockfeller, nos Estados Unidos, e da
Universidade Cambridge, na Inglaterra, oferece um vislumbre inédito sobre os
primórdios da vida, um dos estágios humanos mais misteriosos para a ciência. Os
resultados da pesquisa, publicados nesta quarta-feira em dois artigos nos
prestigiados periódicos científicos Nature eNature Cell Biology, podem trazer grandes avanços para
tratamentos de fertilidade, terapias com células-tronco e medicina
regenerativa, além de oferecer indícios preciosos para a compreensão da
evolução humana.
Contudo, o trabalho traz também
implicações éticas que vêm sendo discutidas com fervor nas instituições
acadêmicas e científicas internacionais: no 14º dia, um depois do explorado
pelos cientistas, o sistema neurológico do embrião começa a se desenvolver e é
discutível se, a partir daí seria possível manter um embrião fora do útero
materno. Afinal, qual o limite para a concepção e criação de um ser humano por
vias artificiais?
"Este é um estudo pioneiro e
pode ajudar na compreensão de como as primeiras células humanas se dividem e
dão origem às trilhões de células que compõem cada um de nós. Ainda sabemos
muito pouco sobre os primeiros estágios do desenvolvimento humano e esse
conhecimento é fundamental para conseguirmos entender a nossa biologia",
explica a biomédica Lygia da Veiga, geneticista-chefe do Laboratório Nacional
de Células-Tronco Embrionárias da Universidade de São Paulo (USP).
"Mas, como em qualquer
estudo inédito, precisamos parar e nos perguntar se é aceitável fazer esses
experimentos em troca do conhecimento. Qual o limite para a criação dos
embriões em laboratório? Duas semanas ou mais? Quais as consequências disso
para a ciência e para os seres humanos? Precisamos discutir até onde queremos
ir nesse aprendizado, pois já temos a ciência necessária para ir mais
longe."
Duas semanas
- Anteriormente
os cientistas só haviam conseguido estudar embriões humanos em laboratório até,
no máximo, o nono dia de desenvolvimento, quando é necessário o implante no
útero da mãe para que sobrevivam e continuem a se desenvolver. O mais comum é
que os embriões cresçam até o sexto ou sétimo dia fora do útero. No Brasil, os
tratamentos de fertilização costumam utilizar embriões de até cinco dias -
células mais desenvolvidas não fazem qualquer diferença para efeitos
reprodutivos, e podem até ser prejudiciais ao futuro bebê.
Usando um método de cultura
testado anteriormente para criar embriões de camundongos fora do organismo da
mãe, os cientistas americanos e britânicos conseguiram realizar observações
quase de hora em hora do desenvolvimento de embriões humanos para ver como eles
se desenvolvem e se organizam até o 13º. dia - quase chegando a 14 dias, limite
internacional considerado eticamente aceitável para as pesquisas de embriões desenvolvidos
em laboratório. A partir do 14º. dia, com o desenvolvimento neurológico começa
a se desenvolver algo que pode ser considerado um princípio de vida.
"Este é o estágio mais
enigmático e misterioso do desenvolvimento humano", disse Magdalena Zernicka-Goetz,
professora da Universidade de Cambridge e co-autora do trabalho à Reuters. "É um momento no
qual a forma básica do corpo é determinada."
Os trabalhos descrevem a técnica
usada para manter as células do embrião se multiplicando e a maneira como essas
células que futuramente formarão o corpo humano se auto-organizam na estrutura
básica de um embrião pós-implantação no útero.
"O desenvolvimento de
embriões é um processo extremamente complexo, e embora nosso sistema possa não
ser capaz de reproduzir plenamente cada aspecto deste processo, ele nos
permitiu revelar uma capacidade de auto-organização notável que antes era
desconhecida", explicou Marta Shahbazi, pesquisadora da britânica
Universidade de Cambridge que fez parte das equipes de pesquisa à Reuters.
Ética dos
estudos - As pesquisas também chamam a
atenção para o limite ético que impede o desenvolvimento de embriões humanos em
laboratório por mais de duas semanas afirmando que, no ponto em que as
pesquisas se encontram, ele precisa ser revisto.
O período é crucial para o
embrião, pois é o ponto em que começa a se individualizar - até o surgimento do
sistema neurológico, as células se dividem intensamente. Após o 14º. dia, as
células já estariam próximas do que seria um ser único, com tecidos e
características próprias.
"Não existe uma lei
internacional que regula o limite para a criação de embriões em ambientes
artificiais. Essa é uma questão ética e seguimos dispositivos dessa área, dos
direitos humanos e cortes internacionais que estabelecem o surgimento do
sistema neurológico como uma fronteira para os estudos", explica médico
Edson Borges, diretor clínico do Centro de Fertilização Assistida Fertility, em
São Paulo. No Brasil, a resolução 2121 de 2015, do Conselho Federal de
Medicina, estabelece que "o tempo máximo de desenvolvimento de embriões in
vitro é 14 dias". O limite é incluído nas resoluções desde 1992.
Até o momento, esse período jamais
havia sido ameaçado, pois a ciência ainda não havia elaborado técnicas capazes
de fazer as células embrionárias progredirem por tanto tempo fora do corpo da
mãe. De acordo com os cientistas, alguns dias a mais, além dos quatorze,
poderiam ajudar os cientistas a compreender como os embriões de dividem em
diferentes tecidos e organismos, por exemplo.
"O tipo de discussão
internacional que pedimos poderia facilitar dar bases a decisões locais para
mudar a lei ou a política das pesquisas", escrevem os autores no estudo da Nature.
De acordo com os especialistas, o
debate sobre a pertinência desses estudos deve envolver cientistas, a
comunidade acadêmica e também a população. Até o momento, as fases mais
primitivas do desenvolvimento humano são conhecidas por meio da pesquisa de
organismos mais simples, como vermes ou camundongos - as observações diretas
sobre a divisão do embrião humano são ainda preliminares.
"Os critérios devem ser mais
éticos que científicos", explica Borges. "A discussão deve abordar aspectos
bastante controversos, como qual o início da vida e o limite da interferência
humana em seus princípios."
http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/pela-primeira-vez-cientistas-criam-embrioes-humanos-de-duas-semanas-em-laboratorio
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