São Paulo - Pela primeira vez no Brasil um recurso sobre direitos de transexuais chega ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Nesta quarta-feira, 18, estará na pauta da corte o julgamento de um recurso extraordinário, com repercussão geral, que vai decidir se uma transexual pode usar banheiro feminino. A sessão plenária começa às 14 horas.
O julgamento se baseia em um caso ocorrido em um shopping de Florianópolis, que barrou uma transexual de usar o sanitário das mulheres em 2008.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deu parecer favorável ao uso de banheiros conforme a identidade de gênero da pessoa. O relator da ação é o ministro Luís Roberto Barroso.
No recurso extraordinário nº 845779, a defesa contesta um acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), no qual os desembargadores entenderam que não houve discriminação no shopping. A defesa alega, no entanto, que a decisão "vai de encontro aos preceitos fundamentais da Carta Constitucional, em especial ao princípio da dignidade da pessoa humana".
Agora, os ministros do STF vão decidir se a transexual pode usar o banheiro do sexo oposto e se a proibição do uso "configura ofensa à dignidade da pessoa humana e a direitos da personalidade, indenizável a título de dano moral".
Amigo da corte
A professora de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) vai participar do julgamento como amicus curiae e diz que a expectativa é de que o STF se posicione favoravelmente aos transexuais.
Como advogada, Juliana vai defender a liberação do banheiro para as pessoas de acordo com a identidade de gênero. Ela vai representar a Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da UERJ, Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (Clam) e o Laboratório Integrado em Diversidade Sexual e de Gênero, Políticas e Direitos (Lidis).
"A decisão terá um peso muito forte e vai pautar outras decisões sobre o tema por causa de sua força argumentativa", afirma Juliana. Para ela, a decisão sobre o uso do banheiro pode estimular o debate sobre o uso do nome social.
A ativista e coordenadora do Fórum Paulista de Travestis e Transexuais Fernanda de Moraes reforça que a decisão do STF pode abrir precedentes: "O que pode mudar é o reconhecimento da cidadania", afirma.
Fernanda diz que ter a identidade de gênero reconhecida formalmente pode ajudar a mudar a situação de discriminação social enfrentada por transexuais e travestis.
Para a antropóloga Regina Facchini, pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), "o não reconhecimento da identidade de gênero coloca transexuais e travestis na marginalidade social". Ela considera a proibição absolutamente discriminatória.
http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/stf-vai-decidir-se-transexual-pode-usar-banheiro-feminino
Nota da Manifestação do MP
Para Janot, identidade sexual está ligada à dignidade da pessoa humana e aos direitos da personalidade; transgêneros não podem ser proibidos de usar banheiro do gênero com o qual se identificam
Com objetivo de proteger os direitos à identidade, à igualdade, à não-discriminação e o princípio da dignidade da pessoa humana, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defende que transgêneros não podem ser proibidos de usar banheiros públicos do gênero com o qual se identificam. Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), Janot sustenta que “impedir que alguém que se sente mulher e se identifica como tal de usar o banheiro feminino é, sem dúvida, uma violência.”
A manifestação refere-se ao recurso extraordinário (RE) 845.779/SC, em que a recorrente Ama (nascida André dos Santos Filho), afirma que, ao entrar no banheiro feminino do Beiramar Shopping, em Santa Catarina, como sempre faz em locais públicos, foi abordada por uma funcionária que a forçou sair do recinto, argumentando que sua presença causaria constrangimento às outras mulheres. Impedida de usar o banheiro e por estar nervosa, Ama não conseguiu controlar suas necessidades fisiológicas. Como indenização, pede R$ 15 mil pelos danos morais sofridos.
Ela recorreu à Justiça, mas o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina não admitiu seu recurso contra decisão da Terceira Câmara Cível do Tribunal local, fazendo com que ela recorresse ao STF. O caso, por envolver indenização por dano moral, impossibilitaria o reconhecimento da repercussão geral na Corte, ou seja, que o entendimento firmado servisse para outros casos similares. No entanto, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, entendeu que há essa repercussão por envolver discussão sobre o alcance dos direitos fundamentais das minorias, uma das missões das Cortes Constitucionais Contemporâneas. Além disso, o STF aponta que o acontecimento não é um caso isolado.
Dignidade - “A demanda pelo reconhecimento de direitos dos cidadãos que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, travestis ou transgêneros consolida-se em escala global, caracterizando-se como nova etapa na afirmação histórica dos direitos humanos”, argumenta Janot, que complementa: “A 'orientação sexual' e a 'identidade de gênero' são essenciais para a dignidade e a humanidade de cada pessoa e não devem ser motivo de discriminação ou abuso.”
“Impedir o uso do banheiro feminino é o mesmo que negar, individual e socialmente, a identidade feminina da recorrente, violando-se, assim, o seu direito a uma vida digna”, sustenta. Janot complementa com argumento da Tese de Repercussão Geral – Tema 778: Não é possível que uma pessoa seja tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente, pois a identidade sexual encontra proteção nos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana previstos na Constituição Federal.
Indenização - Segundo Janot, é inegável o direito à reparação do dano moral sofrido pela recorrente. “O dever de indenizar é, sem dúvida, uma forma de revisar uma política e, assim, assegurar que a recorrente, vítima de violação de direitos fundamentais por motivo de identidade de gênero, tenha acesso a medidas corretivas plenas. É cabível a condenação do estabelecimento comercial a pagamento por dano moral, quando houver abordagem de transgênero que vise a constranger a pessoa a utilizar banheiro do sexo oposto ao qual se dirigiu, por identificação psicossocial”, defende.
Direitos reconhecidos – No parecer, o procurador-geral argumenta que já foram reconhecidos no Brasil outros direitos à população trans - ou seja, as pessoas que têm identidade ou expressão diferente da atribuída no nascimento -, como a adoção, o serviço às forças armadas e a alteração de registro de quem realizou a cirurgia de transgenitalização. Para sustentar a manifestação, Janot baseou-se nos Princípios de Yogykarta, na declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis, da Convenção Americana de Direitos Humanos e da Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância, além de resoluções nacionais.
Em janeiro deste ano, foi editada a Resolução 12 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais, que traz orientações sobre o uso do nome social oralmente, em formulários e sistemas de informação, nos espaços de ensino e em documentos oficiais. Além disso, a resolução recomenda expressamente a garantia do uso de banheiros, vestiários e demais espaços segredados por gênero, de acordo com a identidade de cada pessoa.
Outra conquista aconteceu em maio de 2015, quando foram assinadas duas resoluções com normas e diretrizes para garantir os direitos da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais que estão no sistema prisional do Rio de Janeiro. Os documentos garantem o direito à autodeterminação de gênero no momento do ingresso no sistema penitenciário, sendo vedada a transferência de cela ou de ala em função da orientação sexual ou identidade.
Papel do Judiciário – O PGR reconhece que é necessária a adoção de políticas públicas para eliminar ou, ao menos, reduzir as violações da integridade e dignidade dos transgêneros. “Isso não significa, contudo, que, enquanto não implementadas tais políticas, as atuais práticas causadoras de danos morais ou pessoais aos transgêneros devam ser mantidas impunes, sobretudo quando reconhecido que a realidade cultural e social do país tem constantemente levado os indivíduos a lesar direitos fundamentais relativos à dignidade e à integridade física e psíquica dessas minorias.”
“Violações de direitos humanos que atingem pessoas em decorrência de sua orientação sexual ou identidade de gênero, real ou percebida, constituem um padrão consolidado, que causa sérias preocupações que não podem ser ignoradas pelo Poder Judiciário brasileiro. Essas violações incluem execuções extrajudiciais, tortura e maus-tratos, detenção arbitrária, negação de oportunidades de emprego e educação, agressões sexuais, estupro e invasão de privacidade. Não bastasse isso, as violações são frequentemente agravadas por outras formas de violência, ódio, discriminação e exclusão”, pondera.
http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_constitucional/pgr-transgenero-nao-pode-ser-proibido-de-usar-banheiro-do-genero-com-o-qual-se-identifica
Estado deve adotar postura ativa contra preconceito e intolerância, diz Barroso
“Em todos os casos em que não haja restrição significativa a direitos de terceiros ou a qualquer valor coletivo merecedor de tutela jurídica, o Estado deve adotar uma postura ativa contra o preconceito e a intolerância, protegendo as escolhas existenciais das pessoas, inclusive, no presente caso, por meio da afirmação do direito de serem tratadas socialmente em consonância à sua identidade de gênero.”
A conclusão é do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal. Ele é relator do recurso extraordinário que discute se uma transexual que foi expulsa do banheiro feminino de um shopping tem direito a ser indenizada ou não.
Barroso votou a favor da indenização, entendendo que o Supremo deve sempre zelar pelo respeito aos direitos fundamentais. Neste caso, pelo princípio da dignidade da pessoa humana. “A democracia não é apenas a circunstância formal do governo da maioria. Ela tem também uma dimensão substantiva que envolve a proteção dos direitos fundamentais de todos, inclusive e sobretudo das minorias”, escreveu em seu voto.
A discussão chegou ao Supremo por meio de recurso contra acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que negou o direito à indenização. Em primeiro grau, foi reconhecido que a transexual sofrera dano moral e tinha direito a R$ 15 mil. No TJ, o entendimento foi de que o episódio causou “mero dissabor” e não justificaria uma indenização.
Como o caso tem repercussão geral reconhecida, Barroso sugeriu uma tese: “Os transexuais têm direito a ser tratados socialmente de acordo com sua identidade de gênero, inclusive na utilização de banheiros de acesso público”.
O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Luiz Fux. Ele disse que gostaria de “ouvir a sociedade” a respeito do tema, porque detectou “um desacordo moral” entre a tese defendida por Barroso e a sociedade. “Nos processos objetivos é preciso que nós fiquemos atentos ao que sociedade pensa”, disse o ministro.
Depois de Barroso, o ministro Luiz Edson Fachin votou para acompanhá-lo. Apenas acrescentou que gostaria de aumentar o valor da indenização de R$ 15 mil para R$ 50 mil, com correção monetária e juros de 1% ao mês desde a data do fato, em 2008.
http://www.conjur.com.br/2015-nov-19/estado-adotar-postura-ativa-preconceito-barroso
VOZ DA SOCIEDADE
Fux pede vista em julgamento sobre transexual que foi expulsa de banheiro
Por conta de pedido de vista do ministro Luiz Fux, o julgamento sobre se é devida ou não indenização por danos morais a uma transexual que foi expulsa do banheiro feminino de um shopping foi interrompido no Supremo Tribunal Federal. Depois dos votos do relator, ministro Luís Roberto Barroso, e do ministro Luiz Edson Fachin, Fux pediu vista diante da necessidade de “ouvir a sociedade” sobre o assunto.
O ministro Barroso estruturou seu voto em torno da garantia do direito fundamental à dignidade. Para o ministro, “determinar à sociedade que se dirija a alguém como senhor ou senhora não viola direito fundamental de ninguém. É uma cortesia social. Não consigo imaginar um direito fundamental contraposto ao dos transexuais de ser reconhecidos como indivíduos.”
Depois de Barroso, Fachin votou para acompanhá-lo, mas propôs o aumento da indenização de R$ 15 mil para R$ 50 mil corrigidos em 1% ao mês desde a data do fato. Também pediu para que o processo seja reautuado para constar, ao lado do nome de registro da transexual, seu nome social, Ama.
A discussão chegou ao Supremo por meio de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que negou o direito à indenização. Em primeiro grau, foi reconhecido que a transexual sofrera dano moral e tinha direito a R$ 15 mil. No TJ, o entendimento foi de que o episódio causou “mero dissabor” e não justificaria uma indenização.
O ministro Barroso deu razão à transexual. Segundo seu voto, é preciso reconhecer o direito de as pessoas se identificarem em sociedade da forma como elas se autoidentificam. “As pessoas têm direito de ser tratadas com igualdade mesmo quando tenham direito e queiram ser tratadas como diferentes.”
De acordo com o ministro, o debate estava em torno da noção de igualdade como reconhecimento de um direito a minorias. “É o direito de essas pessoas serem tratadas pelo nome que escolherem.”
Como o caso tem repercussão geral reconhecida, Barroso sugeriu uma tese: “Os transexuais têm direito a ser tratados socialmente de acordo com sua identidade de gênero, inclusive na utilização de banheiros de acesso público”.
Depois, o ministro ressaltou o “papel iluminista” do Supremo. “É o papel de fazer valer a razão materializada na Constituição Federal sobre os preconceitos que muitas vezes acometem as grandes massas”, disse. “A maioria governa, mas submetida à necessária observância dos direitos fundamentais.”
Os ministros Ricardo Lewandowski, presidente do STF, Marco Aurélio e Luiz Fux resistiram à tese de Barroso. Em seu voto, o relator definiu que transexual é aquele que não se identifica com seu sexo biológico.
Marco Aurélio foi o primeiro a contestar. “Comungamos inteiramente quanto ao respeito à dignidade da pessoa humana”, afirmou, “mas indagaria na tese quanto à identidade de gênero: ela se daria considerada a aparência, registro civil ou aspecto psicológico?”
O ministro Fux disse haver um “desacordo moral” entre o voto de Barroso e a sociedade. “Nos processos de valores morais, precisamos ouvir a sociedade. Quem somos nós? Por que eu, com minha faixa etária e minha trajetória profissional, sei mais que a sociedade?”
Fux decidiu pedir vista porque, segundo ele, “à luz da doutrina e da filosofia constitucional, nos processos objetivos é preciso que nós fiquemos atentos ao que sociedade pensa”. Ele, então, disse que foi à internet ler artigos “da sociedade” sobre o assunto e se deparou com as opiniões divergentes.
O presidente do STF, ministro Lewandowski, também demonstrou ressalvas quanto ao encaminhamento dos dois primeiros votos. Segundo ele, mulheres e crianças do sexo feminino ficam “em situação de extrema vulnerabilidade tanto do ponto de vista físico quanto do psicológico quando estão no banheiro”.
http://www.conjur.com.br/2015-nov-19/fux-vista-julgamento-transexual-expulsa-banheiro
Nota do moderador desse blog sobre a materia em exposição
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