WASHINGTON, BRASÍLIA, LIMA e SCARBOROUGH (Tobago) — A fase de
ouro da redução da pobreza na América Latina pode estar com os dias contados, e
este mal histórico deve voltar a crescer. O Banco Mundial (Bird) alerta que 38%
da população - 241 milhões de pessoas que não são pobres nem chegaram à classe
média -são vulneráveis a caírem na pobreza, ou seja, a viverem com menos de US$
4 por dia. E os pobres temem ser jogados na miséria. A primeira consequência a
ser sentida será a volta da informalidade no trabalho, que passará dos atuais
37% para mais da metade da população adulta do continente se nada for feito.
A
América Latina e o Caribe, que formam a região mais desigual do mundo, sofrem
com a queda no preço das commodities,
a falta de investimentos em educação e a desaceleração chinesa. O CAF - Banco
de Desenvolvimento da América Latina calcula que uma redução de 1,5 ponto
percentual no crescimento da China faça a economia local encolher 1,75 ponto
percentual.
-
Todos os países da região terão mais dificuldade para se recuperar - alerta
Pablo Sanguinetti, diretor corporativo de Análise Econômica do CAF, para quem
os governos podem atenuar estes riscos.
Os
dados mostram que a pobreza na região está estagnada desde 2012. São 167
milhões de pobres, sendo 71 milhões de miseráveis. A extrema pobreza já começa
a mostrar tendência de alta, inclusive no Brasil. Segundo a Comissão Econômica
para a América Latina (Cepal), a miséria por aqui subiu, e cerca de 6% dos
brasileiros são miseráveis.
- No
Brasil, onde esperamos que o PIB (Produto Interno Bruto) vá cair em 2015 e em
2016, o nível de pobreza deve aumentar, ainda que menos que nos anos 80, quando
havia menos políticas de suporte à renda dos menos afortunados. Todavia, um
possível aumento da pobreza no país seria temporário - afirma Marcello Estevao,
especialista do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Mas
Oscar Calvo-Gonzales, gerente para a área de pobreza do Bird, acredita que os
problemas da região são estruturais:
- Hoje
a região enfrenta condições externas difíceis, que não são transitórias e que
podem durar muito tempo. Uma nova geração de programas sociais vai além da rede
de segurança em tempos de crise, mas também ajuda a aumentar a produtividade e
reforçar o capital humano, permitindo novos progressos na redução da pobreza.
O
Brasil, o país que mais reduziu a pobreza, hoje é um dos mais ameaçados, devido
à forte crise econômica e política. Tem de lidar, simultaneamente, com o
empobrecimento e o problema fiscal.
- O
desafio hoje é não piorar muito, enquanto há alguns anos estávamos debatendo
como acelerar a queda na pobreza - sintetiza Michael Shifter, presidente do
Inter-American Dialogue. - Mas ninguém quer deixar de ser pobre
temporariamente, e isso pode gerar pressão social para que as reformas, enfim,
saiam do papel.
Na
vizinhança da sede do Banco Central brasileiro, uma cena resume a situação do
país. Ao lado do prédio que guarda US$ 370 bilhões - a enorme poupança de
dólares para proteger o Brasil da crise - famílias vivem do lixo. Nos
contêineres dos arredores, nada que possa ser vendido permanece muito tempo.
-
Outro dia mesmo achei um monte de cuecas. O bom de gente rica é que jogam tudo limpinho
e cheirosinho - conta o motorista aposentado Dirceu Lima, que não consegue mais
viver só com sua aposentadoria.
Kelly
dos Santos também já vive esse processo de empobrecimento. Aos 24 anos, ela
levou os filhos Mateus e Cauã, de 1 e 4 anos, respectivamente, para morar na
rua, em uma área central de Brasília, depois que seu companheiro perdeu o
emprego e ela ficou sem o Bolsa Família, sem o Bolsa Catador (benefício local
para recicladores de lixo) e sem o aluguel social. A renda da família passou de
cerca de R$ 3 mil para zero.
-
Aqui, a gente vive de bênção. E Deus é tão maravilhoso que ele não deixa a
gente passar aperto não. Hoje, uma mulher parou e trouxe biscoito para as
crianças e macarrão - diz Kelly. - Quando não tenho nada, a saída é pedir. Nós
aqui só não faz (sic) é roubar e traficar, mas pedir para o bem dos meus
filhos, eu faço.
Para
Flavio Comim, docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e
professor visitante de Cambridge, no Reino Unido, esse é um retrato de um
Brasil que achou que enriqueceu, mas teve avanços bem menores que os
imaginados:
-
Voltamos a ter problemas, os mesmos problemas de uma década atrás. A sociedade
precisa refazer um pacto, como no passado, contra a fome.
Para
driblar a miséria, é preciso crescer. Segundo o FMI, 60% da redução da pobreza
na América Latina podem ser atribuídos à expansão econômica, e 40%, à
diminuição da desigualdade. Enquanto o Brasil amargará uma recessão de 3% este
ano, a economia da região encolherá 0,3%, depois de crescer 1,3% em 2014. O
Brasil ficará bem atrás da Argentina, por exemplo, que deve ter expansão,
segundo o FMI, de 0,4%. Vários países têm projeção de crescimento acima de 2%,
como o México (2,25%). Na Venezuela, a situação é muito mais dramática:
retração de 10% este ano.
A
Cepal lembra que a saída recorrente da crise é a informalidade no trabalho.
-
Neste caso, o brasileiro tem a vantagem de ter o MEI (microempreendedor
individual), e muitos, pelo menos, não ficam desprotegidos, sem Previdência -
afirma o diretor do órgão no Brasil, Carlos Mussi.
Informalidade
é a realidade do ex-farmacêutico peruano Afonso Sorano, que ganha a vida
cobrando 20 centavos de sol (cerca de R$ 0,22, ou US$ 0,06) de quem quiser se
pesar em sua balança portátil. Ele faz ponto em uma das saídas mais
movimentadas do trem de Lima, das 10h às 20h. Sorano consegue tirar até 25
soles por dia, ou cerca de US$ 8. Aos 56 anos, não consegue mais emprego, que,
segundo ele fica para os jovens, com mais educação.
- Mas
não reclamo, consigo viver bem. A sorte é que todo mundo quer emagrecer. O meu
grande problema é o medo do futuro. O que será de mim se eu ficar doente e não
puder trazer minha balança para cá?
Para
Ideli Salvatti, secretária de Direitos de Acesso e Igualdade da Organização dos
Estados Americanos (OEA), a saída é convocar a sociedade:
- Se
queremos progredir na superação da pobreza, devemos fornecer soluções
intersetoriais e interinstitucionais.
Aos 78
anos, a peruana Mauricia Almonacete Rosas afirma que a vida piorou. A ambulante
diz que nunca viu tanta concorrência no comércio. Ela às vezes precisa recorrer
aos parentes para obter 20 soles (R$ 22, ou cerca de US$ 6) para comprar balas
e doces, que tenta revender nas ruas de Lima. Ganha até 6 soles por dia (R$ 7,
ou US$ 1,80), quantia inferior ao limite da miséria.
- A
vida só está melhorando para quem tem emprego. Quem não tem, ficou igual ou
pior - diz Mauricia, que não recebe aposentadoria porque sempre trabalhou na
informalidade. - O que mais me preocupa é que minha filha, que tem três filhos,
não tem emprego, vive de bicos. Temo que ela termine os dias como eu. Programa
social, só em época de eleição ou para quem é amigo de político.
Em
Trinidad e Tobago, no Caribe, a realidade é outra. A ex-colônia britânica tem a
terceira maior renda per capita das Américas, atrás de Estados Unidos e Canadá.
Graças aos recursos do petróleo, até os mais pobres têm uma vida mais
tranquila.
Darean
Kent, de 39 anos, trabalha em um barco que faz passeios turísticos. Dispensa
transporte: mora ao lado do píer. Os filhos têm escola e até bolsa na
faculdade, garantida pelo Reino Unido.
- Não
posso reclamar - garante Kent.
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Nota do moderador desse blog sobre a materia em exposição
Julio Cesar disse:
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