SÃO PAULO — As pernas tremem continuamente. Lucas
(nome fictício) parece não encontrar posição confortável na cadeira. O olhos
pulam de um ponto para o outro da sala e se enchem de lágrimas quando ele
explica o seu drama:
— Eu fui um idiota. Estava bêbado, nem sei como fui
parar naquele lugar. Acabei transando com duas prostitutas sem camisinha —
conta o cineasta, de 28 anos, na sala de espera do Hospital Emílio Ribas, em
São Paulo, referência no tratamento contra a Aids na América Latina
A experiência lhe custou um namoro de três anos e uma noite insone pelo temor de ter contraído o vírus HIV. Para o segundo problema, no entanto, Lucas encontrou alívio em três comprimidos que têm sido chamados de “pílulas do dia seguinte da Aids”, ou “pílulas dos 28 dias seguintes”. A medicação previne a contaminação por HIV em 99% dos casos desde que seja tomada até 72 horas depois da situação de risco e ao longo das quatro semanas seguintes.
O nome médico para o tratamento é PEP, sigla para
Profilaxia Pós-Exposição. Já existe no Brasil há anos, mas, por muito tempo,
ficou restrito a profissionais da saúde que sofreram acidente de trabalho ou a
vítimas de violência sexual. Desde 2012, timidamente, passou também a ser
ministrada a pessoas que passaram por qualquer situação de risco. Há 10 dias, o
Ministério da Saúde anunciou a decisão de facilitar ainda mais o acesso. De
acordo com o novo protocolo, publicado no dia 23 de julho, médicos de qualquer
especialidade podem prescrever o remédio, fornecido de graça pelo SUS. A
mudança acontece depois de a Organização das Nações Unidas (ONU) publicar, este
mês, um relatório mostrando que, de 2005 a 2013, o número de novas infecções no
mundo diminuiu 27,6%, enquanto, no Brasil, aumentou 11%.
De 2010 a 2014, a quantidade de doses de PEP
distribuídas pelo governo saltou de 12 mil para 22 mil. A perspectiva é que
esse montante seja bem maior este ano. O ministério espera que a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) derrube a regra segundo a qual apenas
médicos podem receitar as pílulas, autorizando qualquer funcionário de saúde a
prescrevê-las.
Até o fim do ano, as pílulas devem estar em cerca
de 800 hospitais, pronto-socorros e centros especializados do país. Aumentará
especialmente o número de estabelecimentos 24 horas que oferecem o tratamento —
uma medida fundamental, já que, segundo pesquisas do Hospital Emílio Ribas, que
até recentemente era responsável por 10% dos atendimentos com PEP no Brasil,
mais da metade dos pacientes procura a pílula no fim de semana ou na
segunda-feira.
— As histórias dos pacientes estão muito ligadas a
bebida e balada — diz Francisco Oliveira, infectologista do Emílio Ribas.
De acordo com Oliveira, como a PEP é uma
alternativa ainda pouco conhecida pela população em geral, o perfil do paciente
que procura o serviço é de um nível educacional e econômico mais alto do que a
média dos frequentadores do sistema público de saúde. Cerca de metade tem
ensino superior completo e acesso fácil à internet. Sete em cada dez são homens
e, nesse grupo, a maioria é homossexual. Cerca de 20% são mulheres que tiveram
relações heterossexuais. E há, ainda, de acordo com os médicos, casais que
frequentam casas de suingue.
— Não é raro as pessoas aparecerem aqui vindo
direto da festa, às vezes alcoolizadas, admitindo que deixaram de usar o
preservativo — afirma Ralcyon Teixeira, infectologista responsável pelo
pronto-socorro do Emílio Ribas.
‘NÃO SEI POR QUE NÃO USEI’, DIZ PROFESSORA
Deixar de usar o preservativo em relações sexuais
não é algo incomum entre os brasileiros. A Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes
e Práticas na População Brasileira (PCAP), divulgada pelo governo em fevereiro,
dá conta de que 45% dos entrevistados afirmam não ter recorrido à camisinha em
relações recentes, mesmo sabendo que essa é a melhor forma de impedir o
contágio por doenças sexualmente transmissíveis. Entre os jovens de até 30
anos, de acordo com os especialistas, esse comportamento de risco é ainda mais
frequente.
— A camisinha estava ali, na minha bolsa, ao
alcance da mão. Não posso nem dizer que eu esqueci, na hora eu até pensei, mas
não sei porque não usei — diz Jaqueline, professora de espanhol de 24 anos, que
relatava ter saído, na noite anterior, com um homem que conhecera por meio de
um aplicativo de celular.
Solteira há cerca de um ano, ela conta que procura
apenas sexo casual pela internet. Não costuma rever os parceiros que, segundo
ela, somam aproximadamente 20 nesse período. A professora admite que, com ao
menos quatro deles, fez sexo sem camisinha. Não tinha ficado preocupada até
que, na última experiência, foi surpreendida:
— Ele me disse que não transava sem camisinha há
muito tempo porque a ex-namorada era soropositiva. Recomendou que eu fosse
fazer um teste. Fiquei sem reação. Até agora não sei o que pensar, não sei se
ele é daquelas pessoas doentes que querem espalhar o vírus ou se só quis me
pregar uma peça, mas não quero pagar pra ver — pondera Jaqueline.
Ela se diz consciente dos riscos que corre e
disposta a enfrentar os efeitos colaterais do tratamento, que podem ser
severos. Entre eles estão náuseas, vômito, dores de cabeça e de estômago,
alergias e, em casos graves, hepatite
Apesar disso, há casos de pessoas que, em dois anos, já recorreram ao serviço quatro vezes. No meio médico há uma grande discussão sobre se a adoção da PEP em larga escala poderá promover o abandono definitivo da camisinha. Estudos científicos não acusaram esse efeito, mas ninguém sabe dizer o que vai acontecer daqui por diante:
— Não sabemos dizer onde vai dar. As pessoas sabem
que a camisinha é o melhor jeito de prevenir. Mas quem gosta de usar? Com a
Aids, as pessoas, sobretudo os jovens, têm uma fantasia de que a equação está
resolvida, de que não há mais problemas. Nosso discurso talvez tenha sido
simplista. Quando se diz que a infecção é uma doença crônica e que a expectativa
de vida, hoje, é longa, a ideia não é afirmar que se contaminar não é um
problema — critica o infectologista Jamal Suleiman, que trata de pacientes com
HIV desde 1985.
Hoje, mesmo uma pessoa infectada pelo vírus HIV
pode levar uma vida relativamente normal tomando medicamentos antirretrovirais
para sempre. Principalmente se o tratamento começar no estágio inicial da
doença.
Jamal Suleiman, no entanto, rechaça a ideia de que
deve ser retomado um discurso do pânico, comum no início da epidemia mundial.
Segundo ele, o problema é que as escolas estão abandonando o assunto, e as
comunidades gays deixaram de se reunir em pontos de encontro graças à
facilidade proporcionada por aplicativos de namoro, o que dificulta ações
educativas voltadas para esse grupo de risco.
O discurso do administrador de empresas Rodolfo, de
23 anos, exemplifica a mudança de perspectiva em relação à doença. Logo após
tomar sua primeira dose da PEP, para evitar a infecção após uma noite de sexo
inseguro com uma prostituta, ele afirmou:
— Para mim, Aids não é grave. É algo que pode morar contigo a vida inteira, mas que não vai te matar, como um câncer. Estou aqui só porque é melhor não ter, né?! O erro é humano, mas com essa pílula não precisa esquentar a cabeça.
Essa lógica, além de perigosa para a saúde, tem um
custo alto para a sociedade. Cada tratamento de PEP custa cerca de R$ 1 mil,
bem mais do que um preservativo masculino de látex. O Ministério da Saúde
afirma que, ao expandir o acesso, a ideia não é passar a mensagem de que a
camisinha pode ser descartada. Justamente pela preocupação de que as pessoas
adotassem as pílulas como única forma de prevenção, a discussão no governo
levou mais de um ano:
— Alguns colegas têm resistência para prescrever o
medicamento. O argumento é de que o sujeito se arriscou e, por isso, deveria
arcar com as consequências. Mas a PEP deve ser combinada com outros métodos —
afirma o diretor do departamento de DST-AIDS e hepatites virais do ministério,
Fábio Mesquita. — A intenção é facilitar o acesso ao tratamento porque, para a
pessoa e para o país, é muito melhor que alguém tome um remédio por 28 dias do
que para o resto da vida
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/cresce-busca-por-droga-que-evita-risco-de-aids-apos-relacao-insegura-17054437#ixzz3hfZoflKx
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Nota do Moderador desse blog, sobre a materia em exposição
Julio Cesar disse:
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