Isabelle Langley é uma das crianças mais corajosas da Austrália. Aos
11 anos de idade, ela encarou a família e os amigos e enfrenta a sociedade
para garantir o direito de ser reconhecida como menina. Com uma maturidade
surpreendente, Isabelle explica tranquilamente que nasceu no corpo errado.
"Eu falei pra minha mãe que não queria ser um garoto, porque me sentia
como menina. Estou cansada de viver neste corpo", declara.
A revelação aconteceu há 15 meses,
quando Isabelle tinha completado dez anos recentemente. "Ela me
disse: ‘não gosto do meu corpo; não é certo eu estar neste corpo’. Falei que
era normal se sentir estranho, porque o corpo está crescendo, mas Isabelle foi
enfática: ‘não, eu sinto que sou uma menina e estou no corpo errado",
recorda a mãe Naomi McNamara.
Isabelle nasceu "Campbell" em 6 de junho de 2003. Desde cedo,
o garoto já demonstrava não se adaptar ao universo infantil masculino: brincava
de bonecas e usava vestidos cor de rosa e roupinhas de fadas com asas.
"Nunca gostei das coisas de garoto. Minha vida inteira preferi brinquedos
de meninas. Tentei lutar contra isso por um tempo. Tentei parar, mas não
consegui", afirma. O pai lembra bem dos tempos em que tinha um filho
homem. "Adoro esportes, mas nunca consegui colocar Campbell nos esportes.
Ele também nunca gostou de carrinhos. Chegava em casa e ia direto para caudas
de sereias e vestidos de cinderela", relata Andrew Langley.
Os
pais contam que a revelação do filho provocou um incompreensão inicial. "É
uma montanha russa emocional. Meus primeiros pensamentos foram para Campbell,
como ele ia lidar com isso e as barreiras sociais que iria enfrentar", diz Langley. A mãe
acrescenta: "achamos que ele era gay e já me imaginei segurando a bandeira
do arco-íris. Seria ótimo! Mas quando realmente entendi do que se tratava,
pensei: 'por que ele não poderia simplesmente ser gay?' Seria mais fácil,
pensamos à época. Obviamente, são duas coisas completamente
diferentes".
São duas coisas completamente diferentes porque
Isabelle é uma criança transgênero. Na Austrália, assumir a homossexualidade é
uma decisão estritamente pessoal, independentemente da idade. Mas crianças e
adolescentes transgênero precisam de sentença judicial para garantir o
tratamento, que é fundamental para evitar o desenvolvimento de um corpo com o
qual não se identificam. No caso de Isabelle, a medicação inclui hormônios para
bloquear a mudança no tom da voz e o crescimento de pelos.
Os casos são mais comuns do que se pode imaginar.
Em 2003, o Royal Children´s Hospital recebia uma criança transgênero por ano.
Neste ano, o número chegou a cem. "Esse fenômeno acontece em todo mundo
ocidental, não porque há mais crianças nessa situação, mas porque elas estão
buscando tratamento", afirma a pediatra responsável pelo tratamento
de Isabelle, Michelle Telfer.
Segundo a médica, o diagnóstico é complicado antes
da puberdade porque o gênero pode ser "fluido". Conforme Michelle
Telfer, as evidências mostram que, de todas as crianças que apresentam
comportamento em desacordo com o sexo, apenas 25% vão se identificar como transgênero
na adolescência. "Isabelle não está neste estágio, mas se ela ainda se
identificar como mulher após a puberdade, saberemos que não é uma fase. São
99,5% de chances de que a identidade feminina vai persistir na vida
adulta", informa a pediatra.
Por enquanto, a menina australiana está recebendo a
primeira fase da medicação, que tem efeitos reversíveis. "Eu não sabia que
havia tratamento para a minha condição. Procurei na internet e achei muitos
sites explicando o que a gente pode fazer quando se sente como menina. Dizia
que tem uma cirurgia especial, que quero fazer quando completar 18 anos. Quando
for maior, posso fazer a operação de mudança de sexo, que vira o pênis de fora
para dentro, transformando-o em uma vagina. Assim, eu vou poder usar mais roupas
de meninas", antecipa com sua simplicidade infantil.
Além das questões sociais, Isabelle tem que
enfrentar a barreira judicial para transformar seu sonho em realidade. Aos 16
anos, ela vai precisar ir aos tribunais para provar que é mentalmente capaz de
tomar a decisão que vai mudar o resto de sua vida. Para receber a segunda fase
do tratamento, que é irreversível, precisa da aprovação de um juiz.
Famílias de crianças transgênero e médicos se opõem à legislação porque o custo
do processo é alto, o que poderia impedir meninos e meninas de receberem
tratamento no tempo apropriado.
Independentemente
disso, os pais de Isabelle vão fazer o que for necessário para assegurar o
futuro da menina. Na Austrália, 30% dos jovens transgênero que não recebem
tratamento tentam suicídio e 50% optam por autoflagelação. "Quando vi as
estatísticas, pensei: 'tenho uma criança feliz. Isso não vai acontecer, porque
vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para que ela tenha felicidade e uma
vida longa'", diz Langley.
Certo dia, Isabelle chegou em casa aos prantos. A menina chorava e dizia que
não existia futuro para uma pessoa como ela. "Naquele momento, acabou
minha confusão e entendi que nosso trabalho, como pais, é ajudá-la a criar um
futuro com o qual possa viver", afirma a mãe. "Se eu não tivesse
pais me apoiando, provavelmente já teria fugido ou me matado",
confessa a criança.
Apesar do bullying na escola, a menina assumiu sua identidade: usa
roupas femininas, deixou o cabelo crescer e escreveu uma carta para os 200 colegas
do colégio. "Olá a todos. Sou uma criança transgênero, o que significa que
tenho uma mente de menina dentro de um corpo de garoto. (...) Isso tem ficado
mais e mais difícil para mim nos últimos cinco anos", dizia o texto que
comoveu funcionários e pais de alunos. "Uma das mães nos escreveu para
contar que chorava cada vez que lia o texto. Ela teve uma conversa com o filho
e disse para ele ser corajoso e ficar ao lado de Isabelle se as coisas
complicassem", afirma o diretor da escola, David Pelosi.
Os estudantes começaram a aceitar
Isabelle como menina, e as piadas maldosas cessaram. A carta causou um impacto
profundo na pequena cidade a nordeste de Melbourne. "Estamos recebendo
apoio de gente que não conhecemos. Fomos parados no supermercado por pessoas que
leram a carta e disseram que poderíamos contar com eles", comove-se o pai.
Com sua coragem, Isabelle constroi um futuro melhor para ela e outras
crianças na mesma condição. "Se você não for você mesmo, vai se sentir
triste e miserável para o resto da vida", conclui.
http://noticias.terra.com.br/mundo/oceania/australiana-de-11-anos-luta-na-justica-por-troca-de-sexo,ff67873fc801a410VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html
Julio Cesar disse:
Nota do moderador desse blog sobre a materia em exposição
Julio Cesar disse:
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