Em decisão divulgada esta semana, o ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Luís Roberto Barroso mandou soltar um jovem negro, morador de
comunidade pobre em Gravataí, no Rio Grande do Sul, preso preventivamente pelo
porte de 69 gramas de maconha. Acusado de tráfico, o rapaz estava há sete meses
no Presídio Central de Porto Alegre, mas foi beneficiado pelo habeas corpus
proferido pelo ministro, que, em sua decisão, afirmou que “no atual sistema
prisional brasileiro, enviar jovens, geralmente primários, para o cárcere, em
razão do tráfico de quantidades não significativas de maconha, não traz
benefícios à ordem pública”. Em entrevista ao GLOBO, Barroso classificou como
fracassada a política de combate às drogas e se posicionou a favor da
descriminalização do consumo e da regulamentação desse comércio. Segundo
Barroso, deve acontecer nas próximas semanas a votação no STF do Recurso
Extraordinário 635.659, que, em linhas gerais, pede a declaração de
inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que pune o consumo pessoal
de entorpecentes.
O habeas corpus para o jovem flagrado maconha foi negado duas
vezes antes de chegar ao STF. Por que essa decisão?
Acredito que não se deve prender preventivamente ninguém por
tráfico de quantidades insignificantes de drogas. O ingresso no sistema
penitenciário brasileiro, em quase todos os estados, significa colocar o
indivíduo em um lugar no qual ele irá embrutecer e tornar-se mais perigoso,
inclusive pelo vínculo provável que passará a ter com facções. De modo que
prender uma pessoa não perigosa, pelo tráfico de quantidades não relevantes de
maconha, é sujeitar a sociedade ao risco imenso de estar tornando um indivíduo
de baixo potencial ofensivo em um criminoso perigoso. É péssimo para o
indivíduo e para a sociedade.
O senhor afirmou na decisão que o foco do judiciário deveria ser
na repressão dos verdadeiros responsáveis pelo tráfico, e não em usuários, mulas
e pequenos traficantes...
A preocupação maior deve ser o poder que o tráfico tem sobre as
comunidades mais pobres. A quantidade de dinheiro que a droga faz girar dá aos
barões do tráfico o poder de dominar, explorar e oprimir comunidades. Uma das
piores facetas desse problema é que o tráfico paga aos jovens muito mais do que
poderiam ganhar em atividades lícitas. É uma concorrência desleal com a vida
honesta. Poucas coisas devem ser mais sofridas para uma família de bem em uma
comunidade dominada do que ver os seus filhos serem cooptados pelo crime, sem
que possam oferecer uma alternativa competitiva. Regular a produção e o
comércio poderia ter o efeito de acabar com esse poder. Além disso, custa
caríssimo para a sociedade brasileira essa política de encarceramento de
pequenos traficantes. Mais de 60% das mulheres presidiárias estão presas por
esta razão. E mais de um quarto da população carcerária no país está presa por
tráfico ou associação ao tráfico. Cada preso custa alguns milhares de reais por
mês ao erário.
A sociedade está pronta para o debate sobre legalização?
Ninguém chega pronto para o debate, porque ele não pretende
homologar uma solução para o problema das drogas, mas pensar numa abordagem com
a ajuda da sociedade. Acredito que, em matéria de drogas, é preciso menos
direito penal e mais soluções alternativas que envolvam superação de
preconceito, informação, tratamentos e reabilitação. O que o mundo já constatou
é que o direito penal não tem sido uma boa resposta para o problema das drogas.
É preciso superar o preconceito e a desinformação, que fazem com que esse tema
seja um tabu, em relação ao qual as pessoas repetem slogans, sem se darem conta
de que o problema continua a aumentar. Vai ser necessário algum grau de ousadia
para enfrentar esta questão. É preciso pensar fora da caixa e correr alguns
riscos. Eu gosto muito de uma frase do Amyr Klink, em que ele disse: “O maior
naufrágio é não partir”.
A guerra às drogas, praticada mundialmente, é uma política falida?
A primeira e mais óbvia constatação é a de que a guerra às drogas,
liderada pelos EUA no governo de W. Bush, não deu certo. Não se conseguiu
erradicar a produção nem diminuir o consumo. Pelo contrário, o poder do tráfico
parece ter aumentado no mundo. Em países como o México, por exemplo, o problema
assumiu proporções dramáticas. Na vida, quando alguma coisa não está dando
certo, é preciso pensar em alternativas. Insistir no que não funciona não faz
qualquer sentido. Nos EUA, por exemplo, diversos estados já descriminalizaram a
maconha, seja para uso medicinal ou recreativo. Na Europa, países como Portugal
seguiram o mesmo caminho. E, na América Latina, o Uruguai.
A maconha poderia ser equiparada na Justiça ao álcool ou ao
tabaco?
Ela não é uma droga cujo consumo torna o usuário um risco para
terceiros, nem minimamente antissocial, então ela é menos perigosa que o
álcool. Gostaria de poder tratar a maconha como o cigarro, que é lícito, mas há
limitações à sua comercialização e também constantes campanhas do Ministério da
Saúde alertando sobre os perigos. Isso fez o consumo de cigarro cair nos
últimos anos. Por outro lado, o consumo de drogas ilícitas só aumenta. A
clandestinidade pode dar às drogas um apelo e um glamour que elas não teriam se
fossem enfrentadas com argumentos e informação, em lugar do direito penal.
A votação do Recurso Extraordinário 635.659 pode ser um passo em
direção à mudança?
Se o Supremo vier a considerar que o Estado não pode legitimamente
criminalizar tal conduta, haverá uma pequena revolução na matéria. Conexa à
questão está a necessidade de definir, com certa clareza, a distinção entre
porte para consumo e tráfico. Não é uma questão banal, mas precisa ser
enfrentada.
A legalização da maconha no Uruguai e em estados americanos está
pressionando essa votação?
O que pressiona essa pauta, sobretudo, é a superlotação dos
presídios. Isso entrou no radar do Supremo. Estamos todos desconfortáveis com
essa situação. Eu participei ativamente, na semana passada, do debate sobre a
indenização aos presos submetidos a condições degradantes. O (ministro Ricardo)
Lewandowski também está pautando uma discussão sobre se é legítimo ou não o
Judiciário determinar a realização de obras em presídios. Ou seja, o Supremo está
sensível à percepção de que pouco mais de um quarto dos presos no Brasil está
associado ao tráfico.
O que acha da prisão de cultivadores de maconha?
Na medida em que se cogite descriminalizar as drogas, o
fornecimento lícito também deveria ser equalizado. Seria hipocrisia
descriminalizar o consumo e não admitir a produção própria. Mas é bom ressaltar
que a atuação do Judiciário é limitada nessa questão. Qualquer política de
descriminalização passa obrigatoriamente por uma mudança na legislação.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/sociedade/insistir-no-que-nao-funciona-nao-faz-sentido-diz-luis-roberto-barroso-sobre-politica-de-drogas-16177279#ixzz3aOonnro8
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Nota do Moderador desse blog, sobre a materia em exposição
Julio Cesar disse:
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