RIO - Como apresentar seu namorado para o seu
marido sem magoá-los? Quando seu cônjuge sai com alguém novo, tudo bem sentir
ciúmes? Se minha namorada de outra cidade fica na minha casa, pode dormir
comigo e a minha mulher? Ou, simplesmente: posso amar mais de uma pessoa ao
mesmo tempo? São perguntas inconvenientes para uma união monogâmica, mas
cotidianas para quem é (ou quer ser) do poliamor. Sharlenn Carvalho, 32 anos,
praticante e militante desse modelo de relações múltiplas, simultâneas e
consensuais, especializou-se em respondê-las.
Sharlenn calcula que dedica entre três e quatro
horas diárias às dúvidas de poliamoristas e simpatizantes, a distância e ao
vivo, com amigos e recém-conhecidos — entre estes, vários que a viram em
“Amores livres", série sobre novas formas de relacionamento, que GNT
exibiu ano passado. Coordenadora no grupo Pratique Poliamor RJ e responsável
pelo site 3P (“Philosofia, Política e Poliamor"), virou uma espécie de
consultora, atividade informal que pensa em tornar remunerada.
— O
tema explodiu em 2015, a procura cresceu muito — diz Sharlenn, enquanto toma
uma água em um bar do Bairro de Fátima, onde mora. — Fico feliz de ver as
pessoas se entendendo, se sentindo mais plenas. Para quem está se descobrindo
“poli”, histórias de quem encarou isso podem servir de exemplo.
Em 2015, Sharlenn esteve envolvida em três
relacionamentos paralelos, cada um deles em um estágio diferente. Depois de um
ano de namoro, ficou noiva do designer Will Vaz, com quem divide o mesmo teto e
deve se casar em 2016. Ao mesmo tempo, manteve um namoro com um rapaz de
Brasília que prefere não se expor. Por fim, em outubro passado, viu terminar
seu romance “poli” mais antigo, de quatro anos, com o sociólogo Rafael Machado
— colega de colégio de Will e que inclusive o apresentou a Sharlenn.
— Esta é a configuração atual da minha vida
afetiva. Mas tenho toda a liberdade de conhecer e ficar com outras pessoas —
diz Sharlenn, numa boa, como se estivesse explicando que “Sha” é a sílaba
tônica do seu nome.
As coisas, claro, nem sempre foram tão simples.
Sharlenn é de Petrópolis, onde conheceu seu primeiro marido. Casaram-se cedo e
tiveram uma filha, hoje com 8 anos. O tempo passou, os dois foram se
distanciando e o marido teria sugerido, “para salvar a relação”, que eles
tentassem troca de casal, suingue, relacionamento aberto (no esquema “não
pergunto e não conto”). Ela não topou:
— Nada contra quem faz, mas eu me sentiria
objetificada. É diferente do poliamor, que pressupõe um envolvimento, não é
apenas sexual.
Já formada em Filosofia pela Universidade Federal
de Juiz de Fora, Sharlenn se deu conta de que estava apaixonada por outro. Era
o sociólogo Rafael, que ela conhecera na internet enquanto pesquisava sobre o
que ainda se conhecia pela expressão americana “poliamory”, citado em textos
pioneiros da sexóloga Regina Navarro Lins.
Em
vez de levar o caso adiante, decidiu abrir a história com o marido. Segundo
Sharlenn, a princípio ele aceitou a experiência, mas depois se arrependeu e
hoje alega traição. A Justiça acabou dando a guarda da filha para ele; os dois
moram em Petrópolis e Sharlenn vê a menina periodicamente.
— A sociedade ainda é muito hipócrita. Eu me sentia errada, um ET, cheguei a pensar que era doente. Cansei de ouvir que “mulher que faz isso é vadia”, “não se dá ao respeito”. — diz Sharlenn. — Existe uma ditadura da monogamia, que a gente chama de “polifobia”. É difícil encarar isso de forma natural, pública, aberta. Muitos precisam de ajuda nesse trajeto.
— A sociedade ainda é muito hipócrita. Eu me sentia errada, um ET, cheguei a pensar que era doente. Cansei de ouvir que “mulher que faz isso é vadia”, “não se dá ao respeito”. — diz Sharlenn. — Existe uma ditadura da monogamia, que a gente chama de “polifobia”. É difícil encarar isso de forma natural, pública, aberta. Muitos precisam de ajuda nesse trajeto.
Rafael, ex de Sharlenn que continuou um grande
amigo, reconhece que ela tem aptidão para imaginar o que os outros estão
pensando:
— Ela
entende o que se passa tanto na cabeça de quem está a sua frente quanto na dos
parceiros sobre quem a pessoa está falando.
Por enquanto, as consultas ainda são gratuitas, mas
Sharlenn está pensando em profissionalizar a coisa este ano:
— É uma atividade que considero fundamental, não
quero deixar de fazer. Mas faço por amor. Se pudesse me sustentar como
“consultora de poliamor”, seria o ideal.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/ela/adepta-do-poliamor-ensina-como-introduzir-terceira-pessoa-na-relacao-18561264#ixzz3yq77wi2O
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'Casais' de 3 ou mais parceiros obtêm união com papel passado no Brasil
Audhrey amava Eustáquio, que amava Rita, que amava Audhrey. Os três foram morar juntos há oito anos e hoje formam uma família.
Essa não é uma versão mais curta, alegre e liberal do poema de Carlos Drummond de Andrade, mas a história de uma família de Belo Horizonte que, há um ano, possui um documento de união estável poliafetiva. Há pelo menos oito escrituras desse tipo oficializadas no país.
Audhrey Drummond, 49, e Eustáquio Generoso, 57, se casaram em 1988 e mantiveram um relacionamento de idas e vindas até 1997. Nesse intervalo, tiveram o filho Iago, 23.
Um ano depois do término, Eustáquio começou a namorar Rita Carvalho, 45. "Não consegui esquecê-lo de jeito nenhum, o homem é terrível", diz Audhrey. Eles se reencontraram em 2003, e a primeira mulher admitiu que ainda gostava do ex-marido. "Falei que por mim podia ser com a Ritoca mesmo", falou.
Tentaram duas vezes um relacionamento a três, sem sucesso. "Não é de uma hora para outra, leva tempo para se acostumar", explica Rita. Da terceira, em 2007, foram morar todos juntos e nunca mais se separaram.
"Quando ficamos juntos, pintou um churrasco na casa de um amigo. Pensei: 'Meu Deus, como vou fazer com isso, levar duas mulheres?", lembra Eustáquio. Decidiram que não iriam se importar com o que os outros dissessem. "Se a gente está bem, numa felicidade tão grande, o pessoal fica bem também."
Eustáquio comprou o apartamento de frente ao dele e colocou lá a primeira mulher e o filho. Fecharam o acesso pela escada, e as portas ficam sempre abertas, formando uma casa só.
O que eles têm não é um relacionamento a três: na prática, Eustáquio tem duas mulheres. Ele tem o seu quarto, e cada uma delas dorme na cama dele por uma semana. Quando a segunda mulher cede seu lugar, vai para um quarto ao lado.
Mas não é porque não namoram que as duas não se consideram da mesma família. Pelo contrário, tornaram-se inseparáveis. "Hoje não consigo mais viver sem ela", afirma Rita.
Em 2012, viram no noticiário que outro "trisal" havia conseguido registrar a união estável, em Tupã (a 514 km de SP), e resolveram oficializar a família. Eles pretendem pleitear a inclusão das duas mulheres como dependentes do plano de saúde de Eustáquio.
Aquela havia sido a primeira escritura de união estável poliafetiva do Brasil, registrada pela tabeliã Cláudia Domingues. Depois, ela fez pelo menos outras sete, inclusive a da família mineira. O maior grupo, conta a tabeliã, envolveu cinco pessoas (três homens e duas mulheres), de Santa Catarina.
DIREITOS
"Você não pode se casar com mais de uma pessoa, mas não há proibição de que você viva com quantas quiser", diz Domingues. "A união estável entre eles é um fato, eu só documento aquilo que já está acontecendo", conta ela, que estuda o tema em seu doutorado, na USP.
Em 2015, Domingues foi procurada por outra tabeliã, a carioca Fernanda de Freitas Leitão. Ela foi incumbida de registrar a união de três mulheres, que vivem juntas no Rio de Janeiro. Elas pretendem ter um filho e registrá-lo coletivamente.
"Ainda não há decisão que garanta direitos automaticamente a famílias poliafetivas que possuam o documento", explica Leitão. "Mas serve de base para que as pessoas pleiteiem esse direito na Justiça."
Além da inclusão em planos de saúde, famílias poliafetivas buscam registrar a situação para acrescentar terceiros (ou quartos, quintos etc.) em planos de previdência e herança, por exemplo.
ESPECIALISTAS
Especialistas divergem a respeito da validade das uniões estáveis poliafetivas.
A tabeliã Fernanda Leitão, que já foi procuradora estadual do Rio de Janeiro, diz acreditar que há respaldo na decisão de 2011 do Supremo Tribunal Federal que equipara a união homoafetiva ao casamento heterossexual.
De acordo com ela, o tribunal reconhece "outras formas de convivência familiar fundadas no afeto".
O presidente da Associação Brasileira de Direito da Família, Rodrigo da Cunha Pereira, afirma que "a fonte do direito não é a lei, mas os costumes", e que a legislação costuma se adaptar às mudanças da sociedade.
"A tendência, no direito da família, é o Estado se afastar cada vez mais da vida das pessoas. A família não é um fenômeno da natureza, mas da cultura", diz.
Filiado à mesma instituição, o advogado Luiz Kignel discorda do colega. Ele diz que o número de casos de uniões poliafetivas é pífio se comparado ao total de casais hétero ou homossexuais, por isso não há uma indicação de mudança na sociedade.
"A relação entre três ou quatro pessoas pode se formar, mas não abraçada pelo direito da família. Não tenho nada contra, mas isso não forma família, que é entre duas pessoas, culturalmente, do mesmo sexo ou não", diz. "Não podemos exigir que a sociedade aceite por causa de oito ou nove casos."
UNIÃO HOMOAFETIVA
Em 2011, foi de forma unânime que o Supremo decidiu que não há diferença entre relações estáveis de homossexuais e heterossexuais e que as duas configurações formam uma família.
Essa decisão facilitou a adoção de filhos por casais gays, além de promover segurança jurídica em relação a direitos como pensão, herança e compartilhamento de planos de saúde.
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/01/1732932-casais-de-3-ou-mais-parceiros-obtem-uniao-com-papel-passado-no-brasil.shtml
Nota do Moderador desse blog, sobre a materia em exposição
Julio Cesar disse:
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