quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Juiz defende direito a aborto em casos de microcefalia com risco comprovado de morte


As consequências da epidemia de microcefalia, que atinge pelo menos 20 Estados brasileiros, além do Distrito Federal, vão além do cotidiano de mães, hospitais e clínicas de saúde de família, e chegam também aos tribunais.
À BBC Brasil, o juiz goiano Jesseir Coelho de Alcântara, que autorizou uma série de abortos legais em casos de anencefalia (mal que impede o desenvolvimento cerebral do feto) e outras doenças raras, disse que a interrupção da gravidez em casos de microcefalia com previsão médica de morte do bebê é "válida" e precisa ser avaliada "caso a caso".
"Se houver pedido por alguma gestante nesse caso de gravidez com microcefalia e zika, com comprovação médica de que esse bebê não vai nascer com vida, aí sim a gente autoriza o aborto", afirma o titular da 1ª Vara dos Crimes Dolosos Contra a Vida de Goiânia, que já permitiu interrupção de gestações em casos de síndromes de Edwards e de Body-Stalk, anomalias que inviabilizariam a sobrevida do bebê fora do útero.
A afirmação foi feita no momento em que Pernambuco, principal epicentro da doença no Brasil, registra aumento nas mortes de bebês com microcefalia associada ao zika vírus.


Mesmo em casos comprovados de morte do bebê, a interrupção da gravidez está longe de ser unanimidade no país e gera intenso debate entre juristas, ativistas e sociedade civil.
Formado por membros da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Federação Espírita Brasileira (FEB), do Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (FENASP), entre outros, o Movimento Brasil Sem Aborto afirma que interrupções em gestações de fetos com microcefalia ou outras má-formações são "inaceitáveis" sob qualquer aspecto.
Na opinião do juiz, entretanto, se o aborto é permitido por lei em casos de fetos anencefálicos, "cuja vida após o nascimento é inviável", também se justifica em "gestações em que o feto comprovadamente nascerá sem vida", devido à microcefalia.
"A anencefalia e a microcefalia severa, com morte no nascimento, são casos similares", argumenta o juiz Alcântara, por telefone. Ele afirma que, para que tomar a decisão, são necessários três laudos médicos, mais parecer favorável do Ministério Público.
Procurado, o Conselho Federal de Medicina disse discordar dessa visão. Em nota, a entidade afirma que "no caso de fetos com diagnóstico de microcefalia, em princípio, não há incompatibilidade com a vida."

Pouca informação

Há poucos dados oficiais sobre mortes de fetos e recém-nascidos microcefálicos no Brasil - e os que existem estão desatualizados.
Questionado sobre o tema, o Ministério da Saúde diz que só tem informações consolidadas sobre mortes de recém-nascidos com a doença em território nacional até 2014, período anterior à epidemia. A pasta diz que depende de informações enviadas pelos Estados para obter números mais atuais.
À BBC Brasil, o Conselho Federal de Medicina afirmou que "a interrupção antecipada da gestação deve ser definida à luz do que determinam o Código Penal do Brasil e o Supremo Tribunal Federal (STF). A incompatibilidade com a vida foi a essência para a fundamentação do STF, quando se manifestou favoravelmente pelo aborto de fetos anencéfalos."
No Código Penal, são previstas duas formas legais de aborto: em casos de risco de vida para a mãe ou em gestações resultantes de estupro. Em 2012, o STF admitiu uma terceira hipótese e a interrupção de gestações de fetos anencéfalos deixou de ser considerada crime.

Eugenia?

Nas redes sociais, em blogs e páginas religiosas, críticos do aborto afirmam que a interrupção de gestações por conta da microcefalia seria uma forma de "eugenia".
O termo se refere a técnicas que visam "melhorar qualidades físicas e morais de gerações futuras", segundo o dicionário Michaelis, e frequentemente é associado a políticas de controle social adotadas por Adolf Hitler durante o regime nazista alemão.
A professora de direito da Universidade de Brasília e especialista em bioética, a antropóloga Debora Diniz, vê "eugenia" nas políticas públicas que envolvem o controle de nascimentos: "Eugenia é quando o Estado pede que mulheres não engravidem, como foi feito", disse ela à BBC Brasil.


Em localidades como Colômbia, El Salvador, Equador e Jamaica, as autoridades pediram que mulheres não engravidassem, por medo da microcefalia ligada ao zika. No Brasil, em novembro, o diretor de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde chegou a recomendar que as mulheres adiassem seus planos de gravidez. Dias depois, voltou atrás.
"Quando o país pede que suas mulheres não engravidem, quando isso portanto é uma política pública, o estrago é muito maior que o resultado das escolhas individuais das mulheres", afirma Diniz. "Controlar liberdades da população é o pior caminho que o Estado pode seguir. A solução do problema não pode vir pelo controle dos úteros."
Forte crítica às políticas do ministério da Saúde para erradicação da doença, a antropóloga, que tem passagens como professora visitante nas universidades de Leeds (Reino Unido), Michigan (Estados Unidos), Cermes (França), entre outras, diz as mulheres não podem ser punidas pelo "ato de negligência do país em não ter controlado o mosquito Aedes aegypti", que transmite o zika vírus.
"Ou o Estado oferece as melhores condições e cuidado permanente aos recém-nascidos com microcefalia, ou permite que as mulheres possam fazer a escolha individual de interromper suas gestações", diz. "O aborto não é uma solução para esta tragédia, mas seria uma forma de proteger as mulheres vítimas da falta de políticas efetivas para erradicação da doença."
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160121_microcefalia_aborto_zika_rs


Grupo prepara ação no STF por aborto em casos de microcefalia





O grupo de advogados, acadêmicos e ativistas que articulou a discussão sobre aborto de fetos anencéfalos no Supremo Tribunal Federal, acatada em 2012, prepara uma ação similar para pedir à Suprema Corte o direito ao aborto em gestações de bebês com microcefalia.
À frente da ação, que deve ser entregue aos ministros em até dois meses, está a antropóloga Debora Diniz, do instituto de bioética Anis, que recebeu a BBC Brasil em seu escritório em Brasília. "Somos uma organização que já fez isso antes. E conseguiu. Estamos plenamente inspiradas para repetir, sabendo que vamos enfrentar todas as dificuldades judiciais e burocráticas que enfrentamos da primeira vez."
Ela se refere à lentidão do processo - o pedido de avaliação dos abortos para fetos anencéfalos foi feito pela Anis em 2004 e aceito pelos ministros, por 8 votos a 2, em 2012. Mas também às barreiras morais e religiosas levantadas por grupos organizados, igrejas e parte da população.
"Em 2004 não havia uma epidemia nem havia um vetor (como o mosquito Aedes aegypti). Agora ambos existem e isso torna a necessidade de providências mais urgente", diz.
"Por outro lado, na anencefalia os bebês não nascem vivos e assim escapávamos de um debate moral. Hoje, sabemos que a microcefalia típica é um mal incurável, irreversível, mas o bebê sobrevive (na maioria dos casos)", afirma. "Portanto trata-se do aborto propriamente dito e isso enfrenta resistência."
Em entrevista exclusiva à BBC Brasil e ao programa Newsnight, da BBC, Diniz diz que a interrupção de gestações é só um dos pontos de uma ação maior, focada na "garantia de direitos das mulheres, principalmente na saúde".
Na argumentação que apresentará ao STF, o Estado é apresentado como "responsável pela epidemia de zika", por não ter erradicado o mosquito. Nesse caso, constitucionalmente, as mulheres não poderiam ser "penalizadas pelas consequências de políticas públicas falhas", entre elas a microcefalia. Portanto, "deveriam ter direito à escolha do aborto legal", entre outras iniciativas.
Atualmente, a legislação brasileira só permite o aborto em casos de estupro, risco de vida da mulher e quando o feto é anencéfalo. Segundo pesquisa Datafolha divulgada em dezembro do ano passado, 67% dos brasileiros são favoráveis à manutenção da lei. Outros 16% acreditam que o aborto deve ser permitido em outros casos e 11% acreditam que a prática deveria deixar de ser crime em qualquer ocasião.


Argumentos


Os principais eixos do documento que está sendo preparado, segundo a BBC Brasil apurou, cobram ações de vigilância sanitária para erradicar definitivamente o mosquito, políticas públicas de direitos sexuais e reprodutivos para mulheres (contraceptivos, pré-natal frequente e aborto) e ações que garantam a inclusão social de crianças com deficiência ou má-formação por conta da doença.
A microcefalia impede o crescimento normal do crânio durante a gravidez e há 3.448 casos suspeitos sob investigação pelo Ministério da Saúde no Brasil. A doença vem sendo associada ao zika vírus, que já se espalha por mais de 20 países nas Américas.
"Nós vivemos uma situação de epidemia e não podemos ter um ministro que diz 'nós perdemos a guerra contra o mosquito' (em referência a declaração do ministro da Saúde, Marcelo Castro). Não, a guerra tem que ser ganha. Essa responsabilidade não é da mulher. Isso é negligência do Estado e gera uma responsabilidade do Estado", afirma Diniz, também professora na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
O documento que está sendo preparado deve argumentar que a ilegalidade do aborto e a falta de políticas de erradicação do Aedes ferem a Constituição Federal em dois pontos: direito à saúde e direito à seguridade social.
A argumentação deve ainda destacar a vulnerabilidade específica de mulheres pobres – já que a epidemia ainda se concentra em áreas carentes do país, especialmente no Nordeste.
"É preciso garantir a todas as mulheres, e não só às que têm acesso a serviços de saúde ou podem pagar um aborto ilegal", diz Debora. "Autorizar o aborto não é levar as mulheres a fazê-lo. Quem tem dinheiro e quer já faz. Justamente quem tem mais necessidade não pode ser privado do direito de escolher sobre a própria vida", afirma.

Anencefalia

Em 2004, o grupo de Diniz ingressou no STF como uma arguição de descumprimento de preceito fundamental para discutir no Supremo o que via como violações à Constituição pela não autorização do aborto em caso de fetos anencéfalos.
Oito anos depois, a corte determinou que nem mulheres, nem profissionais que realizam abortos nessa condição podem ser punidos. Essa foi a primeira vez na história em que o STF tomou decisão sobre saúde e direitos reprodutivos.
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160126_zika_stf_pai_rs


Em revista científica, pesquisadores questionam surto de microcefalia



Uma reportagem publicada nesta quinta-feira no site da revista científica Nature destacou um levantamento no qual pesquisadores do grupo de estudos latino-americano ECLAMC (Estudo Colaborativo de Malformações Congênitas) questionam o surto de microcefalia no Brasil.
De acordo com os pesquisadores Ieda Maria Orioli, que é professora UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e Jorge Lopez-Camelo, o aumento de casos da doença poderia ser atribuído ao fato de, após o aparecimento dos primeiros relatos, ter crescido a atenção a problemas de nascença, como a microcefalia, e também por diagnósticos errados.
Segundo os pesquisadores afirmaram à publicação, pelos dados epidemiológicos que eles analisaram, é impossível estabelecer o tamanho real do surto de microcefalia.
A visão deles é contestada por outros especialistas, pelo governo e por órgãos internacionais.

Números altos demais?

Para chegar às suas conclusões, eles cruzaram dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos com seus próprios dados, que são coletados desde 1967.



De acordo com Orioli e Lopez-Camelo, a média histórica da prevalência de microcefalia no Brasil é de 2 casos a cada 10 mil nascimentos. Eles calcularam que, por exemplo, o número máximo de casos esperados em Pernambuco em 2015 era de cerca de 45. No entanto, o Estado reportou 26 vezes mais suspeitas.


“Mesmo se o zika estiver causando microcefalia, esse número é simplesmente alto demais para ser crível”, relata a revista, citando o relatório.
Segundo números divulgados nesta semana pelo Ministério da Saúde brasileiro, foram reportados 4.180 supostos casos de microcefalia desde outubro – há uma recomendação do órgão para que os Estados informem todos os casos suspeitos.
Desses, 270 foram confirmados, 462 foram descartados e 3.448 estão sob investigação. O governo afirma que as confirmações devem aumentar – esses 270 bebês com microcefalia já representam quase o dobro do número de casos registrados anualmente no país, que é de 150.

Ligação entre o vírus e a microcefalia

Os pesquisadores do ECLAMC também afirmaram que seriam necessários mais estudos, especialmente nas áreas de maior ocorrência do zika, para determinar com certeza se há relação entre o aumento de casos de microcefalia e o vírus.
Questionado pela BBC Brasil sobre o estudo, o Ministério da Saúde afirmou que confirmou a relação entre o zika vírus e a microcefalia em novembro 2015.
“O Instituto Evandro Chagas, órgão do ministério em Belém (PA), encaminhou o resultado de exames realizados em um bebê, nascido no Ceará, com microcefalia e outras malformações congênitas. Em amostras de sangue e tecidos, foi identificada a presença do vírus zika. Essa é uma situação inédita na pesquisa científica mundial. As investigações sobre o tema, entretanto, continuam em andamento para esclarecer questões como a transmissão desse agente, a sua atuação no organismo humano, a infecção do feto e período de maior vulnerabilidade para a gestante”, afirmou o ministério, em nota.


No início de dezembro, a OMS (Organização Mundial de Saúde) também confirmou a relação entre a doença e a má-formação em bebês.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano (CDC), que recomendou que grávidas evitassem viajar para países com surtos de zika, também já se pronunciou sobre a ligação entre a microcefalia e o vírus.
"Eu diria que a chance de a microcefalia não ter sido causada pelo zika vírus é extremamente pequena", afirmou à BBC Brasil Lyle Petersen, diretor da divisão de doenças transmitidas por vetores do CDC.

Mais atenção e dificuldade em reportar microcefalia

Segundo os pesquisadores, o surto de casos reportados de microcefalia pode estar ligado à maior atenção que a doença vem atraindo, “um efeito conhecido e inevitável que pode estar revelando casos que talvez não fossem notificados em circunstâncias normais”, disseram à revista.
A publicação afirma também que especialistas ouvidos pela reportagem não concordam com a avaliação dos pesquisadores do ECLAMC.
Thomas Jaenisch, especialista em medicina tropical da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, afirmou que os pesquisadores adotaram uma posição “extrema” e que isso pode “criar incertezas nos debates na mídia e entre o público que estão acontecendo no Brasil no momento”.
O ECLAMC também afirmou no estudo que há uma probabilidade de haver uma alta taxa de erros de diagnósticos em casos reportados, visto que o critério usado para diagnosticar microcefalia é relativamente amplo.
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160128_microcefalia_nature_zika


Fundação referência em microcefalia sofre sem repasses em PE



Referência na reabilitação de bebês com microcefalia em Pernambuco, Estado que concentra maior número de registros da má-formação, a Fundação Altino Ventura está sendo obrigada a demitir funcionários, reduzir a estrutura de atendimento e recorrer a empréstimos devido à falta de repasse de verbas públicas.

A instituição, que cuida de 135 crianças com microcefalia no Recife, não recebe recursos do governo federal e estadual desde maio do ano passado -desde então, deveriam ter chegado R$ 13,3 milhões.

"Demitimos 16 colaboradores neste mês e desativamos um dos dois blocos de cirurgia", disse à Folha Liana Ventura, presidente da fundação, que terá que pedir empréstimos para cobrir custos.

O Ministério da Saúde afirmou que a liberação de verbas está regular e que o Estado não está repassando os recursos para a instituição.


"É importante esclarecer que foi enviado no dia 9 de novembro de 2015 ofício para a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco solicitando a regularização dos pagamentos ao CER 4 (centro de reabilitação)", disse a pasta.

Já a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco afirmou, por meio de nota, que "todos os débitos com a unidade estão sendo gradativamente sanados."

A Fundação Altino Ventura dirige o Centro Especializado em Reabilitação "Menina dos Olhos", um dos poucos que oferece reabilitação visual, física, auditiva e intelectual. Segundo levantamento da instituição, cerca de 40% dos bebês com microcefalia ligada ao zika têm problemas visuais.

O centro ajuda no diagnóstico das crianças e em rotinas de fisioterapia para aumentar o desenvolvimento dos bebês com microcefalia.

O Ministério da Saúde afirmou recentemente que o "estímulo precoce" é essencial.

"A estimulação ajuda a desenvolver ao máximo o potencial da criança. Com esse atendimento, buscamos dar maior autonomia à criança e à sua família", disse o secretário de Atenção à Saúde da pasta, Alberto Beltrame.

"Pode ser definitivo, por exemplo, para a criança aprender a segurar a cabeça, sentar, engatinhar e andar, dependendo da gravidade", declarou Beltrame.

Ao lado da AACD de Recife, a Fundação Ventura recebe centenas de bebês diagnosticados com microcefalia nos últimos meses. Pernambuco é o Estado com maior número de casos de microcefalia ligada ao zika notificados : 1.373, dos quais 138 foram confirmados e 1.125 estão em investigação.

Na manhã desta quinta-feira (28), cerca de 30 mães e seus bebês passaram por consultas do neuropediatra, oftalmologista, psicólogo e fisioterapeuta na fundação.

A recepcionista Danielle Santos, 29, trouxe o filho Juan Pedro, de dois meses, para fazer exames oftalmológicos e neurológicos. "O Juan chora muito, só para quando está no banho", diz Danielle. O pai da criança abandonou Danielle quando Juan tinha um mês. Ela tem ainda uma filha de 11 anos, Jennifer, que ajuda a cuidar do irmão.

Os bebês com microcefalia costumam ser muito irritadiços, chegam a chorar durante horas, ininterruptamente, e têm problemas para segurar o pescoço e fazer outros movimentos, o que varia segundo a gravidade do caso.

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/01/1734866-fundacao-referencia-em-microcefalia-sofre-sem-repasses-em-pe.shtml
Nota do Moderador desse blog, sobre a materia em exposição


Julio Cesar disse:


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