domingo, 3 de abril de 2016

"Sonho com um Congresso que tenha medo de ir para o inferno"


A História do Brasil está tão intrinsicamente ligada à história da Igreja Católica no país, que uma não pode ser contada separadamente da outra.

São inumeráveis os exemplos de reis e rainhas, presidentes e até generais que, quando a política ia mal, procuravam na Igreja o exemplo, o conselho, ou mesmo o consolo necessário para o enfrentamento das crises.

Nas últimas décadas, a vida do Estado se distanciou profundamente da vida religiosa – numa separação que somente a história vai dizer se foi ou não benéfica.

De acordo com o padre Paulo Ricardo Azevedo Júnior, 48 anos, porém, a crise política e institucional pela qual atravessa o Brasil não é mera coincidência.

“As instituições políticas no Brasil não são só corruptas, mas corruptoras”, afirma, peremptoriamente.

Hoje, uma das maiores autoridades intelectuais da Igreja no Brasil, o Padre Paulo, como é conhecido, fala a mais de um milhão de famílias católicas todos os meses, através de seu site na internet.

Falando apenas de religião, seu site é um dos 500 mais acessados do Brasil e um dos cinco sites católicos mais acessados do mundo.

Padre Paulo nasceu em Recife (PE). Com 11 anos de idade, sua família se transferiu para Cuiabá.

Concluiu o ensino médio em Michigan, nos EUA. Ingressou no seminário em 1985 e foi ordenado sacerdote em 1992, por São João Paulo II.

É formado em Filosofia e Teologia (1991) e mestre em Direito Canônico (1993) pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma). Fala ou escreve em nove línguas.

Nesta entrevista exclusiva concedida ao MidiaNews, na Paróquia do Cristo Rei, em Várzea Grande, onde reza missas e atende a comunidade, o Padre Paulo, além de analisar a atual crise político-institucional brasileira, faz uma crítica à ideologia de gênero e à islamização da Europa.

E explica por que, em sua visão, os índices de criminalidade são tão altos, enquanto os índices educacionais são tão baixos no Brasil. Com a erudição e o entusiasmo costumeiros, ele também fala, é claro, de religião.

Confira os principais trechos da entrevista:

MidiaNews – O senhor é hoje um dos padres mais conhecidos e influentes do Brasil. Mas o senhor já foi mais polêmico. O que aconteceu?

Padre Paulo Ricardo - São os pedaços de juventude! (risos). Na verdade, o que havia era um vazio. Os brasileiros pareciam estar adormecidos, então eu, como padre, tive que fazer um papel que não é propriamente sacerdotal. Ou seja, me colocar numa posição de soar o alarme para acordar o país com relação aos perigos do marxismo e toda a ideologia que estava tomando conta de nossa cultura. Graças a Deus, o clima mudou muito e isso devido à contribuição de muitas pessoas atuando, tanto na mídia como em outras áreas. Não é raro hoje você encontrar pessoas que sabem o que é “cubanização” do Brasil ou bolivarianismo, por exemplo. Isto era impensável há dez anos atrás.

MidiaNews – Em 2010 o senhor sofreu uma perseguição dentro da própria Igreja. Algumas pessoas chegaram a escrever uma carta ao seu superior, pedindo que o senhor fosse afastado do sacerdócio. Isso também influenciou na sua mudança?

Padre Paulo Ricardo – Sim, também influenciou. É claro que no início eu fiquei irritado com a coisa. Eu me senti completamente injustiçado. Mas Deus me deu a graça de poder contar com o conselho de alguns bispos e amigos. Eu me lembro, por exemplo, de uma importante conversa com o meu grande amigo Reinaldo Alguz [deputado estadual em São Paulo]. Ele me disse: “Padre Paulo, o senhor combate o marxismo, mas, sem se dar conta, o senhor também tem atitudes marxistas! Alguma de suas falas provocam luta de classes dentro da Igreja”. Ele foi de uma sinceridade e de uma caridade brutal. Vi que ele tinha razão e resolvi mudar. Eu precisava aprender a ser pescador de homens. Talvez seja por isso que as pessoas estejam estranhando minha atuação assim meio “low profile”.



MidiaNews – Mas o senhor ainda continua a atuar na área política e social?

Padre Paulo Ricardo – Claro que sim. Neste campo social, tenho procurado atuar numa área igualmente urgente e que estava deixada de lado: a defesa da vida e da família. É claro que este trabalho deveria estar sendo realizado pelos leigos. Espero que também aqui as pessoas acordem. Quando este tema também pegar e as pessoas, os leigos, começarem a cumprir a sua missão própria, eu provavelmente também vou me retirar disso.

A Igreja Católica, ao contrário das igrejas evangélicas, tem uma visão muito clara daquilo que é a missão do sacerdote, que é uma missão propriamente espiritual. É o leigo quem deve exercer o seu “sacerdócio” no campo da política. A função do sacerdote nesta área é somente esclarecer o ensinamento da Igreja. A Igreja é um corpo e cada órgão desse corpo tem a sua função. Por exemplo, ao contrário das igrejas evangélicas, que veem com bons olhos pastores que lançam suas candidaturas, a Igreja Católica não. Quando um padre se lança na política, pode saber que é um padre que está indo contra o Direito Canônico.

O que temos no Brasil é uma situação política muito sui generis, em que os partidos políticos são legendas que não significam realmente uma ideologia, um pensamento político, mas são simplesmente legendas de aluguel. Um partido não é isto. Os partidos, ao contrário, deveriam ser um primeiro ensaio do consenso da sociedade. Pessoas com ideias semelhantes se unem em busca de propostas que promovam o bem comum.  O que seria realmente necessário é haver uma transformação das instituições políticas do país para que a nossa democracia fosse mais robusta. A democracia brasileira está fragilizada exatamente porque as instituições não são somente corruptas, mas também corruptoras.

Para que você entenda o que quero dizer, posso fazer uma comparação. Suponhamos que na instituição “prostíbulo” se comece a reclamar que as prostitutas estão muito corrompidas. Então alguém sugere: vamos contratar prostitutas virgens para sanar tudo. Não é possível, pois se contratar prostitutas virgens, no primeiro dia de trabalho elas vão se corromper.
Neste caso você vê que o problema está na instituição e não nas pessoas. Assim é com a política no Brasil. Se se trouxer os políticos suíços ao Brasil e colocar os políticos brasileiros na Suíça, os políticos brasileiros naquelas instituições serão honestos, e os políticos suíços se corromperão no Brasil.

MidiaNews – Pode citar um exemplo de como as nossas instituições políticas fragilizam a democracia?

Padre Paulo Ricardo – Claro. Veja, por exemplo, a concentração de poder que nós temos no executivo. As pessoas acham que a democracia acontece magicamente com o simples fato de as pessoas irem às urnas. Mas não é assim. A democracia acontece quando o poder é partilhado. Sendo assim, toda concentração de poder fragiliza a democracia. O nosso sistema político é um prato cheio para os ditadores de plantão. Coloque o governo de nosso país nas mãos de uma ideologia totalitária e a nossa frágil democracia estará com os seus dias contados. O executivo onipotente poderá comprar a tudo e a todos. A crise pela qual o país está passando foi causada pelas pessoas, mas, se tivéssemos instituições diferentes estas pessoas teriam menos poder e teriam sido barradas há mais tempo.

MidiaNews – E o que dizer do combate à corrupção?

Padre Paulo Ricardo - O combate à corrupção no Brasil é como enxugar gelo. Ou você põe a coisa dentro da geladeira ou você está perdendo tempo. Como é possível que um deputado federal tenha que praticamente fazer uma campanha de governador do Estado, ou seja, tem que correr o estado inteiro para ser eleito? Ora, essa pessoa só vai ser eleita se ela encontrar o patrocínio de grupos de interesse. E, portanto, não vai ser eleito para representar os interesses dos seus eleitores, mas daqueles que pagaram sua campanha. Isso é uma fragilidade democrática muito grande, porque essa instituição deixa de ser democrática.

Ouvi outro dia o testemunho de um diplomata da Inglaterra que atua aqui no Brasil. Ele disse que na Inglaterra não há corrupção como aqui no Brasil, porque lá eles fazem campanha como há 300 anos. “Nós batemos na porta das casas das pessoas, um deputado tem que fazer campanha no seu bairro, naquele distrito, e o seu povo sabe onde ele mora”. Há corpo a corpo, ele sabe que está representando seus eleitores, isso é que fortalece a democracia.

Para resolver a situação do Brasil é necessário, retomando a comparação do prostíbulo, fazer com que pessoas entrem na instituição e, quando elas forem procuradas para se prostituir, que elas tenham a força moral para se opor à prostituição com um “voto de castidade”. Vamos então colocar tanta gente com voto de castidade no prostíbulo que um belo dia possamos transformar o prostíbulo num Carmelo, ou seja, mudar a instituição a partir de dentro. Este é o desafio dos cidadãos honestos.

MidiaNews – Mas não é somente a instituição política que parece ter se corrompido. Como o senhor vê o alto índice de criminalidade no Brasil?

Padre Paulo Ricardo – Também aqui podemos falar de crise institucional. As nossas instituições educadoras não estão cumprindo o seu papel: a família, a Igreja e a escola.
Partamos do princípio de que não é possível colocar um guarda para cada cidadão. George Orwell escreveu um livro chamado “1984”, em que ele desmascara a a situação intolerável de um estado que queira controlar os seus cidadãos com um “Big Brother”. Não há outro caminho para resolver o grave problema da segurança pública a não ser educando as pessoas para a virtude. O rigor da lei punitiva, por definição, só pode ser aplicado a uma parte minoritária da população: os malfeitores. Caso contrário, estaremos transformando o país num presídio.

MidiaNews – Pelo que o senhor aponta a corrupção institucional é generalizada. Existe uma razão para isto?

Padre Paulo Ricardo – A base de nossa sociedade está na família onde todos nós nos sentimos verdadeiramente valorizados como pessoas. Nas outras instituições, como numa fábrica ou numa empresa, por exemplo, somos tratados como uma realidade descartável. Se eu não faço o meu trabalho, sou jogado fora e contratam outro no meu lugar. Na família não é assim, pois não somos descartáveis. Um pai de família continua sendo pai até depois de morto. No mundo atual o relacionamento familiar está desaparecendo para dar lugar aos relacionamentos descartáveis. As razões que explicam esta transformação são muito complexas, mas, curiosamente, encontram suas raízes tanto no marxismo como no capitalismo. Parece que os dois adversários históricos se abraçaram numa aliança maléfica contra a família.

MidiaNews – Mas a Igreja também não contribuiu para esta crise institucional?  Refiro-me especificamente à crise brasileira. Por exemplo, a Igreja católica não está ligada à fundação do PT e ao petismo?

Padre Paulo Ricardo – A Igreja é uma destas instituições que deveriam funcionar como uma família, onde as pessoas não seriam descartáveis. Mas, infelizmente, a crise também tem deixado suas marcas entre os membros da Igreja. Quanto à relação da Igreja com o PT, a coisa tem uma explicação histórica um pouco mais complexa. Na época do regime militar, a Igreja católica era uma das poucas instituições a oferecer um refúgio aos dissidentes políticos. É claro que ali muitos encontraram um espaço de liberdade.  Além do mais, na década de 70, houve um movimento chamado Teologia da Libertação, que promovia uma releitura de toda a teologia num prisma sociológico, muitas vezes de índole marxista. Esta vertente teológica teve o seu auge nas décadas de 1980 e 1990 - e depois perdeu sua “mordência” um pouco com a queda dos regimes comunistas no Leste Europeu. E, como todos os movimentos relacionados ao marxismo no mundo inteiro, se transformou em outras coisas. Hoje, esse jeito de pensar, dentro da Igreja Católica, se metamorfoseou em ecologismo, feminismo ideológico e companhia limitada.



MidiaNews – O que é um feminismo ideológico? O senhor diz em suas palestras que há uma crise de masculinidade dentro e fora da igreja. O que isso significa?

Padre Paulo Ricardo - Eu explico: Karl Marx [filósofo alemão], na última fase da vida dele, quando já estava morrendo, “descobriu”, entre aspas, que a raiz das desigualdades na sociedade tinha sua causa na família. Essa é a tese de Marx. A tese de que aquilo que os capitalistas supostamente fazem na sociedade – explorar o proletariado – é o que o macho faz com a mulher e os filhos.  Sendo assim, para Marx a família é uma instituição onde o homem é proprietário da mulher e dos filhos e mantém com eles uma relação de exploração. Esta seria a raiz da opressão capitalista, instalada dentro da célula básica da própria sociedade. Se isto é verdade, então a família é uma desgraça e precisa ser desmontada. E aí que nasce o feminismo ideológico.

Há quem queira aplicar este tipo de pensamento em todos os aspectos da cultura, inclusive na religião. Assim, há quem queria desmontar que os papéis de homem e mulher, e portanto, a identidade clara de masculino e do feminino seja uma coisa ruim. Principalmente o masculino é sempre apresentado como algo ruim, negativo. O homem é agressivo, é bruto, é mau, a mulher é sempre a bondade, a ternura etc. Isto, levado ao extremo, chega se transforma numa declaração de guerra ao cristianismo histórico. Porque historicamente é incontestável, o fato de que Deus se fez homem e se encarnou nascendo do sexo masculino. E que Jesus escolheu 12 apóstolos, todos do sexo masculino. E agora? O que fazer? Cria-se toda uma teologia para relativizar o papel masculino, às custas da verdade histórica e da tradição cristã. Com isto as pessoas pensam que estão libertando as mulheres, mas na verdade estão transformando a família num campo de batalhas. É a típica mentalidade marxista que não consegue viver sem gerar luta de classes.

MidiaNews – Falando de Teologia da Libertação e ecologismo, não lhe parece que o Papa Francisco seja simpatizante dessa ideologia que o senhor disse que faz tão mal à igreja?

Padre Paulo Ricardo – Veja, o pensamento do Papa Francisco, naquilo que eu pude averiguar, não me parece um pensamento que se preste facilmente a um enquadramento, a uma classificação simplificadora. O estilo do atual papa é um pouco mais complexo do que isso. Ou seja, ele tem um estilo eminentemente pastoral, que tem em vista a acolhida das pessoas na sua diversidade de opiniões. Ele quer dialogar e se fazer próximo do homem moderno. É evidente que este estilo pastoral é muito diferente do de Bento XVI, por exemplo. Há quem se identifique mais com um, ou com o outro papa. Mas a Igreja não impõe a seus filhos uma uniformidade neste campo pastoral. A unidade da Igreja é mais profunda do que isto. Um estilo pastoral específico pode ter suas vantagens e suas contraindicações. Mas isto não deve escandalizar as pessoas, porque a igreja não tem infalibilidade pastoral. 



MidiaNews – No ano passado, em visita à Bolívia, o Papa Francisco aceitou de bom grado uma escultura, representando uma foice e uma cruz, do presidente Evo Morales. Ou seja, um símbolo da Teologia da Libertação. Como o senhor vê o pontificado do Papa Francisco e como os católicos devem interpretar essas declarações dele e se posicionar com relação a elas?

Padre Paulo Ricardo – Veja, é importante sabermos distinguir aquilo que é o estilo pessoal de um papa, daquilo que é a sua atuação magisterial. Nós, católicos, sabemos que o magistério da igreja, quando ele se pronuncia, deve ser ouvido de forma reverente. Nós acolhemos esse magistério com piedade filial, mas é necessário que o magistério se manifeste como magistério.

As intervenções pessoais de um papa são sempre manifestações de uma pessoa privada, que pode ter uma grande repercussão midiática, mas não tem uma repercussão dentro do campo magisterial.

Quando os papas como João Paulo II ou Bento XVI e agora o papa Francisco dão, por exemplo, entrevistas no avião, essas entrevistas são reflexões pessoais, com importância midiática, mas que não são objeto de ensinamento magisterial. Ou seja, o papa não está lá ensinando magisterialmente. Essa é uma dificuldade que a gente vê na própria mídia, de saber distinguir aquilo que é o ensinamento oficial da igreja, daquilo que é o posicionamento de um papa.

MidiaNews – O Papa emérito Bento XVI disse, certa vez, que a igreja deveria buscar mais qualidade do que quantidade, querendo dizer com isso que ela deveria ater-se à doutrina, nem que para isso tivesse que perder fieis. Era um estilo muito diferente do Papa Francisco, certo?



Padre Paulo Ricardo – Quem conhece o pensamento de Joseph Ratzinger, desde o tempo em que era simples sacerdote, fica impressionado com o seu realismo. Desde a década de 60 ele já vinha falando da Igreja como um “pequeno rebanho”. Mas este realismo não deixa de estar profundamente marcado pela própria origem europeia do papa Bento XVI. Já Jorge Mario Bergoglio veio do nosso “fim do mundo” (risos). Nós ibero-americanos ainda temos o entusiasmo de uma Igreja que floresce. São dois estilos bem diferentes. Mas eu acho que essa diferença tem sido muito pedagógica para os católicos. As pessoas estão aprendendo a distinguir o que é essencial. E isto é bom, porque as pessoas precisam aprender que a Igreja não vai ser refundada em cada mudança de papa.

MidiaNews – Segundo São Pio XII, todo católico que apoiar o comunismo ou o marxismo está excomungado automaticamente. O que dizer de alguém que votou e apoiou o PT no passado, mas que se arrependeu? Essa pessoa está verdadeiramente excomungada?

Padre Paulo Ricardo – Veja, sou canonista, portanto entendo bastante dessa coisa  de excomunhão automática, que se chama canonicamente excomunhão latae sententiae, ou seja, uma sentença escondida, em que o juiz emite a sentença mesmo sem que ninguém saiba, mas se a pessoa tem consciência disso, ela sabe que há um juiz escondido que a excomungou. Para que haja essa excomunhão é necessário que a matéria dessa excomunhão seja muito clara e delimitada. Na época de Pio XII, o movimento comunista era uma realidade bastante clara e identificável.

Hoje, o marxismo é um pouco o clima cultural no qual vivemos. Então, para que uma pessoa seja excomungada por opiniões ou atitudes marxistas, ela precisa estar muito consciente de duas coisas: primeiro, que aquilo que ela está fazendo está claramente condenado pela Igreja. Segundo: mesmo assim ela tem que querer continuar na mesma atitude. Se não houver essas duas coisas, ou seja, plena consciência e pleno envolvimento, não se dá a excomunhão. Então, é muito difícil que no clima cultural atual, aconteça realmente essa excomunhão exatamente porque o objeto tornou-se bastante difuso. Seria necessária uma manifestação mais clara do magistério, adaptada à situação cultural atual, em que os papas dissessem com clareza quais são as atitudes passíveis de excomunhão. Seria desejável que houvesse pronunciamentos do magistério que esclarecessem como agir no atual clima cultural, pois há muitos elementos marxistas em tudo que as pessoas fazem, porque é a água na qual nós nadamos: o peixe nem nota mais a água.

MidiaNews – Como o senhor vê a questão dos direitos humanos, tal como ela é colocada no Brasil? E por que os níveis de criminalidade são tão altos?

Padre Paulo Ricardo - Existe uma mentalidade, dentro do próprio sistema de punição, de que se deve tratar o criminoso como se ele fosse a vítima. E de tratar o corpo policial, que é o responsável pela manutenção da ordem, como sendo o culpado pela violência. Ou seja, há uma inversão das coisas. É uma mentalidade de inspiração marxista que foi sendo colocada gradualmente dentro do sistema de execução penal e que acaba na impunidade. O resultado é que hoje há uma dificuldade muito grande de se combater a criminalidade no país, que advém da dificuldade de se punir os criminosos.

Ora, a Igreja, enquanto tal, nunca viu dificuldade alguma na necessidade de se punir os criminosos. Faz parte, daquilo que é a moral da Igreja, reconhecer que existem pecados que devem ser considerados como crime, por causa do bem público, do bem comum. E a sociedade deve se organizar para realizar essa punição. Ou seja, organizar o devido processo jurídico, dar o direito de defesa e realmente punir. Mas não é o que está acontecendo.

MidiaNews – Como ser católico nos dias de hoje e resgatar o relacionamento espiritual com Deus em meio um ambiente cultural tão diverso – e adverso, como o senhor falou?

Padre Paulo Ricardo – Qual é o grande drama que a Igreja vive nas últimas décadas? É o drama da imanentização da finalidade da Igreja. Explico: a igreja foi criada por nosso senhor Jesus Cristo para uma finalidade transcendente, ou seja, nos levar para o Céu. Isso transcende a história: nos salvar. O que acontece é que houve uma acusação marxista contra o cristianismo de que, ao pregar o céu, a Igreja está alienando as pessoas que, então, supostamente deixariam de lutar para fazer um mundo melhor, porque elas estariam automaticamente resignadas a carregar a sua cruz, buscando o céu. 

É uma acusação falsa, e isto pode ser facilmente demonstrado historicamente. A Igreja católica é a instituição que mais promoveu o bem-estar da sociedade humana. Podemos sem dúvida alguma afirmar que este mundo se tornou melhor porque tivemos milhares de santos que puderam doar totalmente as suas vidas, exatamente porque sabiam que haveria um céu depois. O céu não aliena. Ele gera generosidade e amor até o derramamento do próprio sangue. Por acaso Madre Teresa de Calcutá teria feito tudo o que fez se não tivesse certeza que o céu a esperava? 

MidiaNews – Então a Igreja não deve intervir na política?

Padre Paulo Ricardo – A forma de a Igreja atuar na política é através do cristão leigo. O clero tem a missão de iluminá-los com os princípios do Evangelho. Mas, ao contrário do islamismo, por exemplo, a Igreja não tem um projeto político. Ela tem princípios que iluminam a vida política. Mas a política é uma realidade eminentemente prática. Cabe a ela propor soluções a problemas concretos e com isto promover o bem comum. É exatamente porque a Igreja não tem uma fórmula universal para resolver os problemas políticos que a democracia só se tornou possível no Ocidente cristão. Foi onde o cristianismo se estabeleceu há séculos, que desapareceu o cabresto que atrelava a religião a um sistema político específico. Quando Jesus disse: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, ele inventou a desobediência civil e derrubou o totalitarismo do Império Romano. 

Então, para ser um católico de verdade, temos que fazer aquilo que Jesus disse: “Buscai primeiro o reino de Deus, o reino dos céus, e tudo o mais vai ser acrescentado”. Isso quer dizer que, uma vez que busco o reinado de Deus no coração das pessoas, isso terá tremendas consequências políticas. Sonho com o dia em que teremos um Congresso Nacional com homens e mulheres tementes a Deus, com um profundo medo de ir para o inferno. Se isso acontecer, o país estará transformado. Não é necessário que eles tenham uma orientação política de direita ou esquerda, pois, iluminados pela luz do Evangelho, dentro daquilo que é a liberdade democrática, onde necessariamente haverá uma tendência para a direita e uma tendência para a esquerda, teremos instituições que, fortalecidas, aumentem nossa liberdade.

MidiaNews - O senhor falou do islamismo, há uma islamização em curso, sobretudo na Europa. Como o senhor vê isso? O Papa Francisco diz que o Ocidente deve acolher os imigrantes, refugiados da Síria e com problemas do Estado Islâmico, mas muita gente vê isso com preocupação, já que a abertura das fronteiras traz consigo a ameaça do terrorismo.

Padre Paulo Ricardo – O que está acontecendo com a Europa agora é o que aconteceu com o Império Romano. Quando os bárbaros invadiram o Império Romano, eles não invadiram porque eram uma potência militar extraordinária: eles invadiram porque o império estava podre. A Europa se destruiu com uma mentalidade contrária à vida e à família. A Alemanha é o primeiro país do mundo que hoje alcançou a média de idade da população de 50 anos de idade. Ou seja, a Alemanha morreu. É irreversível a situação demográfica da Alemanha. Agora, sinceramente, os donos da Daimler-Benz, da Volkswagen, da BMW vão fechar suas fábricas porque não há mais trabalhadores? Já que as mães alemãs não querem ter filhos? Ou para eles é urgente abrir as portas e as fronteiras da Europa para que entre uma nova população que possa trabalhar nas fábricas, para que eles não percam dinheiro?

A grande verdade é que a Europa, que um dia foi cristã, hoje se tornou completamente pagã. E isso aconteceu por dentro. Portanto, não é possível reverter esse quadro. Só existiria uma forma de reverter a situação na Europa: é que nós conseguíssemos mais uma vez evangelizá-la e os europeus voltassem a ser cristãos, católicos, voltassem a não ter medo de ter filhos, para que eles povoassem uma vez mais a terra e um dia povoassem o céu. Mas diante da miséria cultural na qual se encontra a Europa, que tem medo de viver, se os muçulmanos não invadirem a Europa, outras populações a invadirão.

MidiaNews – O que senhor diz hoje em relação à defesa da vida tem a ver com isso? O Brasil corre o mesmo risco que a Europa?

Padre Paulo Ricardo – Sim, porque no Brasil hoje ainda temos um monte de gente convencida dessa ideologia louca, de que precisamos reduzir a população mundial. E nós iremos entrar, sim, no inverno demográfico pelo qual a Europa já está passando. Nossa taxa de natalidade já está inferior àquela necessária para reposição da população. A população brasileira está envelhecendo e diminuindo. É só questão de esperar uma ou duas gerações para que essa realidade se torne irreversível. Então, mais do que nunca, nós precisamos acordar os cristãos. E nesse sentido, infelizmente, os católicos fieis ao magistério, que pregam a moral sexual e o evangelho da família, como São João Paulo II pregou e os papas sempre pregaram, somos uma minoria na nossa população. Seria necessário acordar o Brasil, porque, como diz Madre Tereza de Calcutá, a maior pobreza é a pobreza de não querer acolher um filho. É uma pobreza espiritual.

MidiaNews – A educação hoje, no Brasil, reflete essa tendência? Como um pai deve se portar diante disso? Não levar os filhos para a escola? Como fazer renascer uma educação cristã no Brasil?

Padre Paulo Ricardo – O que nós precisamos fazer com as famílias é aquilo que foi feito com as mulheres. As mulheres foram emancipadas pelo movimento feminista, que nas suas origens tinha uma inspiração boa e positiva, que era dar às mulheres os direitos civis para que elas, emancipadas, pudessem exercer sua cidadania. A mesma coisa deve acontecer com as famílias.

Elas devem ser emancipadas para que a sociedade se dê conta de que a escola deve servir à família e não ao Estado, para que as escolas ensinem aos nossos filhos os valores que as famílias querem que sejam ensinados. A escola historicamente foi criada como sendo uma extensão e um auxiliar do papel nativo e inalienável dos pais, de educar os seus filhos. Portanto, a escola é um instrumento auxiliar da família. O que nós estamos vendo é que a escola está cada vez mais afastada da família e se tornando o instrumento de um estado totalitário.

Então, é necessário emancipar as famílias para que tomem consciência de seus direitos constitucionais, pois a Constituição garante o direito inalienável de as famílias educarem seus filhos. E que este direito das famílias deve ser mantido e salvaguardado pelo Estado. Não é o que está acontecendo. Precisamos dar às famílias os meios jurídicos de lutarem, e aqui estamos falando realmente de uma militância social, para que os pais se imponham e possam exigir do Estado que as escolas representem um braço auxiliar da família – e não do Estado.

MidiaNews – O senhor disse que vem atuando para combater a ideologia de gênero. Como é a sua atuação?

Padre Paulo Ricardo – Veja, a ideologia de gênero é uma ideologia que usa os homossexuais. Ela tem uma finalidade específica, que é desmontar a família natural. Por que? Porque a ideologia de gênero vê a família natural como opressora, então é necessário desmontá-la. Para isso, eles usam uma linguagem de compaixão para com os homossexuais. Mas os homossexuais são somente a testa de ferro dessa ideologia. Então a primeira coisa que se tem de fazer é mostrar que os homossexuais estão sendo usados, que esse pessoal não está interessado em defender o direito dos homossexuais, estão interessados somente em destruir as famílias.

Devemos mostrar a identidade da ideologia de gênero e que, se ela tivesse alguma vontade de defender os homossexuais, deveria condenar, por exemplo, os regimes marxistas, que foram os que mais mataram homossexuais em toda a história da humanidade. Mas isso eles não fazem. Por que? Porque o compromisso deles não é com os homossexuais, é com a destruição da família. O movimento de ideologia de gênero é todo aparelhado, por isso seria necessário acordar os homossexuais para o fato de que eles estão sendo manipulados. E de que essas mesmas pessoas que hoje usam os homossexuais para isso, um dia já aplaudiram a condenação do homossexualismo, o fuzilamento no paredão de Cuba e a deportação em massa de homossexuais para os gulags da Rússia. Portanto, não há compromisso nenhum com eles.

MidiaNews – O grande filósofo e escritor inglês G. K. Chesterton (1874-1936) disse certa vez que “um dragão de sete cabeças é aterrorizante, mas uma criança que nunca ouviu falar dele é ainda mais aterrorizante”. Ele se referia ao valor da imaginação para a educação das crianças, e eu já vi o senhor recomendar livros como As Crônicas de Nárnia e o Senhor dos Anéis. Por que esse tipo de livro é importante?

Padre Paulo Ricardo – Dentro da educação infantil, o uso da imaginação é fundamental, porque a imaginação cria espaços espirituais que fazem com que a criança se torne capaz de transcender. Infelizmente, como as famílias não querem gastar tempo com seus filhos, elas não contam mais histórias para eles. O pai e a mãe já não se sentam mais à cabeceira da cama para contar histórias, porque é muito mais fácil você colocar um filme para a criança assistir ou um videogame para jogar.

Mas esses instrumentos tecnológicos matam a imaginação, enquanto a literatura cria estes espaços de transcendência. Por isso é tão necessária. Quando um pai ou uma mãe se senta à cabeceira de seu filho para contar as histórias sagradas da Bíblia, ou sagas como o Senhor dos Anéis, não mostrar filmes, mas contar a história, ler a história, você está ali criando na criança uma capacidade imaginativa que transcende o mero estímulo sensorial, que é animal. Está criando uma dimensão espiritual que irá humanizar mais a criança. Pois uma criança que é estimulada sensorialmente por filmes e videogames, é potencialmente um dependente químico, que vai procurar prazeres e sensações cada vez mais emocionantes. Já uma criança que é estimulada na sua imaginação, é capaz de transcender e encontrar valores morais numa saga, numa história dramática. É uma pessoa que potencialmente será religiosa.

MidiaNews – O senhor disse que é preciso sanar as escolas. E as universidades? Ainda dentro desse tema: há relação entre vida intelectual e vida espiritual?

Padre Paulo Ricardo - A decadência intelectual do Ocidente, a partir do nominalismo no Século XIV, gerou a decadência espiritual do Ocidente, então as coisas não são só teoricamente relacionadas, mas historicamente relacionadas, e infelizmente tudo isso se deu através de um instrumento chamado “universidade”. A universidade que é hosanada por muitas pessoas como sendo a salvadora, na verdade ela foi o início da decadência. Por que? Porque antes, nas escolas monásticas e nas escolas catedrais da Idade Média, as pessoas entravam naquelas escolas como entravam na academia de Platão ou no Liceu de Aristóteles, para serem pessoas que procuram a sabedoria pelo resto da vida.

Ninguém procurava um diploma: as pessoas procuravam a verdade. A partir do momento em que foi incluído este vírus chamado diploma dentro do estatuto da universidade de Paris, dali para frente os estudantes começaram a não mais buscar a verdade, começaram a buscar o diploma. Parece um pequeno detalhe, mas é exatamente isso que muda tudo. Ninguém estuda mais para encontrar a verdade. Estuda-se para ter um diploma debaixo do braço. A partir daí, passaram a achar que tinham a verdade e que tinham tudo. Mas isso significou o voo da galinha, ou seja, um voo cada vez mais baixo, porque os alunos preguiçosos começaram a dizer para os professores: “Ei, não precisa de tudo isso, nós só queremos o diploma”.

Acontece que, na geração seguinte, esses estudantes preguiçosos eram os professores, que por sua vez ouviam de seus alunos: “não precisa de tudo isso, só queremos o diploma”. E assim, de geração em geração, fomos caindo de nível. O que é necessário é ter um movimento cultural em que as pessoas busquem a sabedoria e o conhecimento sem precisar absolutamente do reconhecimento de um diploma. Que as pessoas saibam e sejam reconhecidas pelo que verdadeiramente sabem e não por um papel que está dependurado na parede.

MidiaNews - Como o senhor divide o seu tempo? O senhor tem um programa na TV, tem um site multimídia, atende na Paróquia Cristo Rei e ainda viaja para dar palestras em todo o Brasil...

Padre Paulo Ricardo - A minha vida é uma vida de padre, antes de tudo. Isso quer dizer que é uma vida basicamente dividida entre a oração, o estudo e o atendimento pastoral. O que acontece, porém, é que o Papa Bento XVI fez um convite aos sacerdotes a que entrassem num apostolado sério na internet. Como eu não tinha tempo e nem competência para ter um site na internet, então eu juntei um grupo de amigos que formaram uma empresa, da qual eu sou sócio majoritário, para manter o controle, e nós então fizemos o site padrepauloricardo.org,  que está, neste ano, completando 10 anos de existência. Começou inicialmente como um pequeno blog muito rudimentar, mas depois do convite da missão dada por Bento XVI aos sacerdotes, resolvemos fazer realmente uma empresa  e num nível profissional.

Então, este site, graças a Deus, tem atingido um público bastante amplo. Nós temos cerca de um milhão de IPs diferentes por mês, que acessam o site, oscilando entre os quinhentos sites mais importantes do Brasil, o que é bastante bom, considerando que estamos competindo com a Globo, o Google, serviços bancários, jornais de grande circulação etc. E não é um site voltado para o povão, é um site para quem quer aprofundar as coisas, para uma liderança católica, para quem realmente quer ter um conhecimento maior.

Então, Deus tem abençoado que ele tem dado muito fruto, mas devo dizer que não gasto muito tempo com ele, pois quem gasta são as pessoas que produzem. Eu sento na frente da câmera e falo aquilo que é fruto das minhas pregações. Uma pequena homilia de cinco minutos que é feita todos os dias, os assuntos de catecismo, de história da igreja, assuntos espirituais vários. As pessoas têm notado que, de um tempo para cá, houve uma especialização do site para assuntos mais internos da igreja, assuntos espirituais. Isso é proposital, exatamente porque aquele engajamento político mais intenso que havia no passado era necessário naquele momento. Mas graças a Deus o país acordou.

Agora, é necessário que se volte ao trabalho de mais espiritualização, exatamente para que se afaste o perigo de achar que a igreja é o lugar de uma construção de engajamento de direita. As pessoas dizem sentir falta de um engajamento político maior, mas o abandonei exatamente porque aquilo foi um momento histórico que deve necessariamente cessar, sob pena de eu estar fazendo do lado conservador exatamente aquilo que eu acuso o pessoal da esquerda de ter feito dentro da Igreja, de manipulação política de uma realidade espiritual. 

http://midianews.com.br/entrevista-da-semana/sonho-com-um-congresso-que-tenha-medo-de-ir-para-o-inferno/259564
Nota do moderador sobre a materia em exposição 


Julio Cesar Carneiro disse:

Para resolver a situação do Brasil é necessário, retomando a comparação do prostíbulo, fazer com que pessoas entrem na instituição e, quando elas forem procuradas para se prostituir, que elas tenham a força moral para se opor à prostituição com um “voto de castidade”. Vamos então colocar tanta gente com voto de castidade no prostíbulo que um belo dia possamos transformar o prostíbulo num Carmelo, ou seja, mudar a instituição a partir de dentro. Este é o desafio dos cidadãos honestos.

Eu sempre tenho apontado sobre essa situação, com relação às grandes mudanças, na qual, precisamos começar por dentro. A começar de dentro de cada um. Não existirão leis humanas que mudem os homens, ou impeça do homem corromper a sociedade ou o seu meio de atuação. O que precisamos, é que homens e mulheres se levantem com Deus para mudar todas essas realidades existentes. Onde o pecado destruiu, a graça que estar dentro de nós, reconstruirá todas as coisas a partir de nosso testemunho de vida.

Se, vemos por todos os lados, as piores faces da humanidade, há de se levantar homens e mulheres dispostos em Deus, para apresentar uma nova face humana. Deus espera que povoemos o mundo, e a sociedade com o belo que ELE nos oferece. O ser humano é projeto de Deus, e não do mundo, e nem de Satanás. Deus nos criou para sermos imagem e semelhança Dele em todos os lugares em que ocuparmos. O que Deus é, nós seremos para o outro, e para o mundo: Amor ordenado, acolhedor, que perdoa, e que reconstrói, e que serve. Deus é assim, e nos mostrou tudo o que é em seu filho Jesus Cristo.


O ser humano estar perdido, porque ele estar perdendo a beleza em seu semelhante. Quando o outro nos ver ele visualiza o que somos. E, se somos apenas carne, ações brutas, usuais, sentimentos desprezíveis, egoístas, ele vai acreditando que não existe nada de belo ou transformador, e passa a ser essa mesma coisa que somos. É hora de mudar.

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