Levei
um susto. Nos EUA são reportados todos os anos 25 mil casos de microcefalia.
Esse número é quase cinco vezes maior que o de casos suspeitos que vêm se
acumulando no Brasil desde que surgiu a suspeita de que o zika vírus possa
estar envolvido.
Nos
EUA, com uma população de aproximadamente 320 milhões, nascem todos os anos 3,9
milhões de crianças. Como 25 mil delas são consideradas microcéfalas, isso quer
dizer que 0,6% (seis em cada mil) recebem essa classificação. Usando esses
números como base, qual deveria ser o número de crianças nascidas com
microcefalia no Brasil?
No
Brasil, a população é de quase 204 milhões, e nascem todos os anos 3 milhões de
crianças. Se imaginarmos que a frequência de microcéfalos por aqui é semelhante
à dos EUA (0,6%), devem nascer todos os anos 19.250 crianças com microcefalia
no País. Mas o Ministério da Saúde informa que em 2014 foram notificados
somente 147 casos. Onde estariam os outros 19.100?
O
número de microcéfalos depende da definição adotada para classificar a criança
como microcéfala. Nos EUA é considerada microcéfala toda criança cujo diâmetro
da cabeça está a dois desvios padrão da média. Crianças nascem com diversos
tamanhos de cabeça, desde as muito grandes (macrocéfalos) até as muito pequenas
(microcéfalos). Se fizermos um gráfico da circunferência da cabeça das crianças
(na horizontal), versus a frequência com que cada medida acontece (na
vertical), vamos obter a forma aproximada de um sino (veja gráfico ao lado).
Com base nesse gráfico é possível calcular o valor médio da circunferência da
cabeça de todas as crianças (o centro do sino) e também quais estão a uma certa
distância desse valor médio. Se a curva for normal, por definição o grupo de
pessoas que constituem os 2,1% com as cabeças menores estão distantes dois
desvios padrão da média (a borda esquerda do sino). O 0,1% com cabeça ainda
menor está distantes três desvios padrão da média.
Por
esse critério, sempre vai existir a mesma proporção de crianças microcéfalas. É
o mesmo que você decidir que os alunos a serem reprovados serão sempre os três
piores da classe. Mesmo que toda a classe vá muito bem, e os três priores
tenham nota nove, eles, por definição, serão reprovados.
No
Brasil a definição de microcéfalo é igual à dos EUA. São consideradas
microcéfalas todas as crianças com perímetro craniano menor que 33 centímetros.
Esse valor corresponde exatamente aos dois desvios padrão adotados nos EUA
(isso está explicado no Anexo 1 da Nota Informativa 01/2015 “ COES
Microcefalia”, de 17 de novembro de 2015, publicada pelo Ministério da Saúde).
Como os 33 centímetros são mais restritivos que os 34 anteriores, por
definição, mais de 0,6% de todas as crianças nascidas deveria ser classificada como
microcéfalas. Ou seja, deveríamos ter todos os anos pelo menos 19.250 crianças
assim classificadas.
É
importante entender a razão para os sistemas de saúde de todo o mundo usarem
esse tipo de critério. Da mesma maneira que toda criança muito baixa, muito
leve, ou muito pesada, merece exames adicionais para identificar a causa desse
desvio da média, toda criança
com
diâmetro abaixo de 33 centímetros deve ser examinada para se verificar a causa
desse desvio. E, quando examinadas, muitas delas são absolutamente normais e
saudáveis, tanto aqui quanto nos EUA. É exatamente isso que está acontecendo
agora. Dos mais de 4 mil microcéfalos identificados nos últimos meses, quase
800 já foram examinados e aproximadamente 75% deles são crianças normais.
Mas
se é assim que os microcéfalos devem ser selecionados, por que razão no Brasil
eles não foram identificados nos últimos anos? Sabemos que eles existem, muitos
saudáveis e alguns doentes. Essas crianças deveriam ter sido identificadas e
examinadas com cuidado. Mas não foram, porque a notificação não era
obrigatória. Elas seguramente sempre existiram, mas não existem nas
estatísticas do Sistema Único de Saúde (SUS). Agora com a notificação obrigatória, e o pânico causado pelo zika, elas
estão “aparecendo”. Esse aparecimento súbito pode ser real, e causado pelo
zika, ou pode ser uma anomalia causada pela subnotificação no Brasil.
É o
pequeno número de casos nos últimos anos que faz com que fique difícil saber se
o número de microcéfalos realmente está crescendo por causa do zika. É também
por esse motivo que os epidemiologistas da OMS olham com desconfiança a certeza
apregoada por nosso ministro da Saúde, de que o zika é a causa desses novos
casos de microcefalia. O zika pode ser a causa de um aumento dos casos, mas a incapacidade
do SUS de identificar os registros de microcefalia nos últimos anos vai
dificultar a solução desse mistério.
http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,microcefalia-que-sempre-existiu,10000015230
Nota do Moderador desse blog, sobre a materia em exposição
Julio Cesar disse:
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