A Zika
causa microcefalia? Essa é a pergunta crucial que atormenta a vida de milhares
de mulheres hoje no Brasil. E a resposta mais sensata que se pode dar neste
momento de crise é: “Muito provavelmente, sim. E até que se prove o contrário,
todo cuidado é pouco”.
As
evidências contra o vírus estão se acumulando rapidamente. divulgados nesta
semana confirmam que o zika tem capacidade para infectar o cérebro de fetos e
que ele está presente no cérebro de bebês com microcefalia. Pode-se dizer,
portanto, que ele já foi identificado na cena do crime. Isso é fato. Falta
comprovar ainda se ele é assassino, cúmplice ou um mero observador passando
pelo lugar errado na hora errada. A única forma cientificamente válida de fazer
isso é “reproduzindo o crime” em laboratório, inoculando o vírus no cérebro de
modelos animais e em culturas de células neuronais humanas, para ver se ele
interfere da mesma forma com o seu desenvolvimento.
Esses
estudos já estão sendo feitos em laboratórios, e os resultados devem sair em breve.
Um grande problema até o momento é que os dados epidemiológicos disponíveis
sobre a dispersão do zika e sua associação com a microcefalia ainda são
escassos e de baixa precisão, devido a uma série de inconsistências nos
sistemas de análise e notificação dos diferentes Estados e da ausência de um
teste rápido de diagnóstico que permita confirmar ou excluir casos com
agilidade. As evidências são fortes, mas não são conclusivas. Ainda assim,
temos o suficiente para levantar algumas hipóteses sobre o que pode estar
acontecendo…
Vamos aos números:
Segundo o divulgado pelo Ministério da Saúde, 4.783 casos suspeitos de
microcefalia foram registrados no país desde meados de 2015 até 30 de janeiro
de 2016. Um número assustador, considerando que a média registrada
anteriormente não chegava a 200 casos confirmados por ano. Mas há duas
perguntas importantes que precisam ser respondidas sobre isso: Quantos desse 4.783
casos suspeitos são casos verdadeiros de microcefalia? E qual é a
confiabilidade das estatísticas históricas de microcefalia no Brasil?
O
biólogo Fernando Reinach faz uma consideração importante em publicada na semana
passada no Estadão: Nos Estados Unidos são reportados de microcefalia por ano;
o que representa 0,6% da população de bebês nascidos anualmente naquele país.
Se essa mesma proporção
for aplicada ao número de bebês nascidos no Brasil (cerca de 3 milhões por
ano), deveríamos ter algo em torno de 19 mil crianças nascidas com microcefalia
anualmente no país. De duas, uma: Ou a estatística americana está inflada ou a
brasileira está subestimada. Não que a ocorrência deveria ser a mesma nos dois
países (certamente não é), mas trata-se de uma diferença demasiadamente grande.
Um dos lados está exagerando, para mais ou para menos, e o mais provável é que
os números históricos de microcefalia no Brasil estejam abaixo da realidade.
PARECE, MAS NÃO É?
Voltando
às estatísticas do Ministério da Saúde: Desses 4.783 casos suspeitos
notificados, 709 foram descartados, 3.670 estão sob investigação e 404 foram
confirmados como casos reais de microcefalia “e/ou outras alterações do sistema
nervoso central” relacionados a infecções virais ou bacterianas. Desses 404
bebês, apenas 17 (ou 0,04%) foram comprovadamente infectados pelo vírus zika —
sem excluir a possibilidade de a mãe ter tido outras infecções, como sífilis,
que também podem ser responsáveis pela má-formação.
Os
outros 387 casos ainda estão sendo avaliados para a presença do vírus.* Ou
seja: Dentro daquilo que já foi investigado, a maioria dos casos suspeitos de
microcefalia não é microcefalia; e dentre aqueles que são casos verdadeiros,
apenas uma minoria pode ter relação com o zika. Por isso a Organização Mundial
da Saúde, apesar de ter declarado um estado
de emergência global, ainda reluta em estabelecer uma relação direta entre a microcefalia
e o zika. Em um na revista médica The Lancet, um grupo de médicos e
pesquisadores brasileiros recomenda, com base nesses números, que tanto o
Brasil quanto os órgãos internacionais deixem de divulgar estatísticas de casos
suspeitos e passem a reportar apenas o número de casos confirmados de
microcefalia, de modo a reduzir a sensação de pânico na população e o
sofrimento emocional das famílias confrontadas com uma situação de falso-positivo
(suspeitas de microcefalia baseadas apenas na circunferência da cabeça, que não
se confirmam após exames neurológicos). Os autores chamam atenção para o fato
de que a maioria (68%) dos bebês no Brasil nascem antes de completar 40 semanas
de gestação, em parte por causa da alta taxa de cesarianas no país, o que aumenta
a probabilidade de eles nascerem pequenos. Em resumo: Nem todo bebê que nasce
com menos de 32 cm de perímetro cefálico tem microcefalia; e nem todo caso de
microcefalia tem relação com o zika.
O
presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, disse no início do mês que nenhum
caso de microcefalia havia sido registrado entre as mais de 3 mil mulheres
grávidas diagnosticadas com zika no seu país, segundo . A não ser que esta seja
uma declaração política, com o intuito de esconder a realidade, é um fato que
merece ser investigado — inclusive para verificar como esse monitoramento está
sendo feito e a confiabilidade dos dados.
EVIDÊNCIAS
O
fato de o vírus ter sido detectado no organismo da mãe, na placenta e até no
cérebro de alguns bebês nascidos com microcefalia não significa,
necessariamente, que a má formação foi causada por ele. Por exemplo: Se você
fizer uma autópsia numa pessoa idosa que morreu de causas naturais, muito
provavelmente vai encontrar vestígios de câncer no organismo dela, mas isso não
significa que foi o câncer que a matou. Assim como ela poderia estar gripada no
momento que morreu, mas não significa que foi o vírus da gripe que a matou. É
possível que essas mães tenha sido infectada pelo zika durante a gestação, mas
que a microcefalia tenha se desenvolvido no feto por outras causas — ou por uma
combinação do zika com outros fatores de risco genéticos ou ambientais.
Seja
como for, é essencial que todos os casos suspeitos continuem a ser
investigados. Não se pode esquecer também que a maioria dos casos de zika é
assintomática, e que o vírus só pode ser detectado no organismo adulto durante
alguns dias, o que torna extremamente difícil estabelecer uma relação entre a
doença na mãe e a má-formação no bebê. A mulher pode ter sido infectada pelo zika
durante a gestação e não ter nenhuma evidência disso.
CENÁRIOS POSSÍVEIS
Esses
são alguns cenários do que pode estar acontecendo: 1)
Está ocorrendo, de fato, um aumento explosivo do número de bebês
nascidos com microcefalia no Brasil, e isso está diretamente relacionado à
epidemia de zika, que não era um vírus circulante no país até o ano passado.
(Cenário mais preocupante e talvez o mais provável).
2)
Pode ser que o zika cause microcefalia, mas não necessariamente em todos os
bebês. Assim como ocorre com outros vírus, os efeitos da infecção podem ser
modulados por outros fatores relacionados ao estado de saúde da pessoa — neste
caso, da mulher gestante. Um exemplo bem simples é que uma mesma cepa de vírus
da gripe pode causar diferentes sintomas em diferentes pessoas — desde uma
simples coriza num jovem saudável até complicações respiratórias graves num
idoso com o sistema imunológico debilitado. É possível que o zika só cause
microcefalia quando contraído num determinado período da gestação e/ou em combinação
com outros fatores de risco que acentuem seus efeitos patogênicos. Também é
possível que haja diferentes cepas do vírus em circulação, e que algumas sejam
mais agressivas que as outras.
3) O
aumento do número de casos de microcefalia não passa de uma anomalia
estatística, derivada da subnotificação de casos no passado, e não tem relação
com o zika. Em outras palavras: Essa quantidade de bebês com microcefalia
sempre existiu no Brasil, mas ninguém estava prestando atenção até surgir essa
suspeita de relação com o zika. Lembrando que a estatística mais assustadora por
enquanto é a de casos suspeitos, e que a maioria desses casos tende a não se
confirmar — são crianças normais, que só nasceram com a cabeça um pouco pequena
e vão se desenvolver normalmente.
4) O
aumento do número de casos de microcefalia é real, mas não é tão grande quanto
se imagina e pode não ter relação apenas com o zika. Há muitos outros patógenos
e fatores de risco que podem gerar uma má formação do cérebro: toxoplasmose, citomegalovírus,
rubéola, sífilis, herpes, exposição a agentes químicos e outras formas de
contaminação durante a gestação. Podem haver outros problemas de saúde pública
por trás dessa “epidemia de microcefalia” que ainda não foram identificados. Seja
qual for o cenário verdadeiro, a recomendação mais importante neste momento é
evitar ser picado, eliminar criadouros do mosquito Aedes aegypti, e não
acreditar em teorias ridículas da conspiração, segundo as quais a microcefalia
é causada por lotes vencidos de vacinas e o zika é transmitido por mosquitos
transgênicos. São boatos sem qualquer fundo de verdade. Não sabemos muita coisa
ainda sobre essa epidemia. Mas sabemos que a única maneira de acabar com ela é
acabando com o Aedes aegypti.
http://ciencia.estadao.com.br/blogs/herton-escobar/zika-e-microcefalia-uma-relacao-complicada/
Ministério
da Saúde confirma 462 casos de microcefalia, 41 com infecção por zika
Boletim epidemiológico
divulgado pelo Ministério da Saúde nesta sexta-feira revela que o número de
casos confirmados de microcefalia no Brasil aumentou de 404 para 462 nos
últimos dez dias. Desse total, a presença do vírus zika foi confirmada em 41
crianças. Outros 765 casos suspeitos de microcefalia foram descartados após
análises mais criteriosas. Todos os números se referem ao período de 22 de
outubro de 2015 a 6 de fevereiro deste ano. Já foram notificados 91 óbitos de
bebês com microcefalia, o que inclui morte pós-parto e aborto espontâneo.
Desses, 24 foram investigados e confirmados e 8 foram descartados. Outros 59
seguem sendo estudados.
Pernambuco é o Estado com o maior número de casos confirmados de
microcefalia com infecção por zika (33), seguido do Rio Grande do Norte (4) e
Paraíba (2). Mesmo nesses casos, não está excluída a possibilidade de a mãe da
criança ter tido outras infecções capazes de causar danos ao sistema nervoso do
feto. Ou seja: não são casos em que o zika foi identificado como única causa
possível da má-formação. Os únicos Estados em que ainda não há qualquer
suspeita são Amapá e Amazonas. A circulação autóctone do zika vírus ocorre em
22 Estados brasileiros.
"Cabe
esclarecer que o Ministério da Saúde está investigando todos os casos de
microcefalia e outras alterações do sistema nervoso central informados pelos
Estados e a possível relação com o vírus zika e outras infecções
congênitas", diz o boletim. "A microcefalia pode ter como causa
diversos agentes infecciosos além do zika, como sífilis, toxoplasmose, rubéola,
citomegalovírus e herpes viral."
Vacina - A
Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou nesta sexta-feira que os testes
clínicos em larga escala de vacinas contra o zika vírus não devem começar em
menos de um ano e meio. Ainda segundo a entidade, 15 empresas estão trabalhando
no desenvolvimento do imunizante e dois parecem promissores. Um é desenvolvido
pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos e o outro pelo laboratório
indiano Bharat Biotech.
A entidade
também anunciou que daqui quatro a oito semanas deverá sair a resposta
definitiva sobre a associação do zika com a microcefalia e a síndrome de
Guillain-Barré, como suspeitam os cientistas.
(Com Estadão Conteúdo)
http://veja.abril.com.br/noticia/saude/numero-de-casos-confirmados-de-microcefalia-sobe-para-462-02
Nota do moderador sobre a materia em exposição
Julio Cesar Carneiro disse:
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