As picadas dolorosas e o zunido insistente no ouvido fazem com
que, geralmente, as abelhas não sejam lembradas de maneira amistosa - a
despeito das delícias do mel. E com uma ressalva fundamental: o mel está longe
de ser a grande contribuição das abelhas para a humanidade. Sem elas, metade
das gôndolas de alimentos dos supermercados estaria vazia. Por meio da
polinização, esses insetos promovem o seu maior impacto na biodiversidade e na
produção dos alimentos: 35% das lavouras e 94% das plantas silvestres dependem
dessa atividade. A má notícia é que esse, por assim dizer, "serviço
ecológico" está em risco diante de um fenômeno batizado de desordem do
colapso das colônias. De 1940 até hoje, o número de abelhas diminuiu de forma
drástica no mundo - nos Estados Unidos, o país mais afetado pelo problema, caiu
pela metade (veja o quadro na pág. 86). Ainda é misteriosa a razão por trás
desse sumiço, apesar de existirem fortes hipóteses. Na segunda-feira 22, a ONU
planeja chamar atenção para o assunto com a divulgação, em evento na Malásia,
do relatório Polinizadores, Polinização e Produção de Alimentos. O documento, o
primeiro fruto do órgão internacional Plataforma Intergovernamental para
Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES),
procura identificar, entre outros pontos, os motivos que levaram à desordem que
faz sumir as colônias e as possíveis soluções.
O trabalho é resultado do esforço
conjunto de 75 pesquisadores, de diversas nações. VEJA teve acesso a
informações presentes no documento. Ele combina o conhecimento acadêmico que se
tem sobre as abelhas e os demais animais polinizadores (como outros insetos,
aves e morcegos) e suas contribuições, traz exemplos de boas práticas para a
proteção das espécies e propõe soluções para a situação adversa - como a adoção
de políticas ambientalistas. "É um tópico de enorme importância política,
visto que o desaparecimento das colônias pode afetar negativamente a economia,
além da dieta de cidadãos, de um país", ressalta a bióloga Vera Lúcia
Fonseca, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e
diretora do IPBES, o órgão da ONU. "Antes de tudo, o relatório procura
conscientizar a todos da importância dos polinizadores, além de promover a
união de governos para protegê-los", completa Vera.
Não é por acaso que a
pesquisadora faz referência aos danos econômicos potenciais da desordem.
Estima-se que um mercado de 218 bilhões de dólares anuais depende do serviço de
polinização prestado pelas abelhas. Os Estados Unidos, o maior exportador
agrícola do mundo, perderiam 15 bilhões de dólares por ano com a intensificação
do problema - no Brasil, o prejuízo seria de 12 bilhões de dólares. Isso
explica por que, em junho de 2014, o presidente americano Barack Obama
transformou o alarme em questão de Estado, ao anunciar a criação de uma
força-tarefa, composta de cientistas e políticos, para ir atrás de respostas.
Os estudiosos ainda investigam
qual seria a raiz do problema. Acredita-se que sejam dois os principais
fatores: a disseminação do uso de pesticidas, que enfraquecem as colônias, e a
ação de parasitas, como o varroa, ácaro que ataca o organismo do animal, e o
Acarapis woodi, que afeta o sistema respiratório. Entretanto, há consenso de
que não existe apenas uma razão (ou duas), e sim um somatório que acabou por
construir um cenário cruel para os insetos. As abelhas estão perdendo seu
hábitat quando florestas e jardins dão lugar a construções ou mesmo a
plantações de uma única cultura - a espécie necessita de alimentação variada
para sobreviver. As intensas mudanças climáticas pelas quais passa a Terra, em
consequência do aumento da emissão de gases do efeito estufa pelo homem, também
colaboram para o desaparecimento dos insetos. As estações menos definidas, além
das elevações e quedas bruscas na temperatura e na umidade, acabam por bagunçar
o ciclo de florescimento das flores, das quais as abelhas são dependentes.
Os Estados Unidos são tidos como
o país que mais vem se movimentando para combater o ritmo da desordem. O comitê
criado por Obama apresentou no ano passado o documento Estratégia Nacional para
Promover a Saúde das Abelhas e Outros Polinizadores. Nele, estabeleceu-se como
meta reduzir a baixa de abelhas durante o inverno a no máximo 15% em dez anos -
hoje, a taxa é de 23%. Nas últimas décadas, após o inverno, as colônias não têm
conseguido recuperar-se desses períodos de perda. Caso a diminuição das colônias
seja menor nas estações de frio, o efeito esperado é que elas consigam se
restabelecer na primavera e no verão. Também se planeja aumentar a presença de
outros polinizadores, como a borboleta-monarca. O governo americano calcula que
haja atualmente 30 milhões de exemplares dessa espécie colorida na América do
Norte, diante dos 970 milhões que existiam em 1996. O que se espera é reverter
a queda, alcançando ao menos o número de 225 milhões. Entre as estratégias para
proteger os polinizadores está, por exemplo, a restauração de 28 000
quilômetros quadrados (o equivalente ao território do Havaí) de seus hábitats
nos próximos cinco anos.
Por que o lado ocidental do
Hemisfério Norte tem sido mais prejudicado que o restante do planeta? O motivo
é a dependência das plantações americanas e europeias de apenas um tipo de
abelha, a Apis mellifera. Importada da África e da Ásia para a polinização de
plantações comerciais, a espécie ganhou a preferência de apicultores por não
ser agressiva e manter colônias enormes e resistentes. Agora, porém, ela é a
maior vítima da amedrontadora desordem.
Na França, por exemplo, 100 000
colônias de Apis mellifera foram perdidas desde 1995, e a taxa de mortalidade
das abelhas triplicou. Diante disso, Paris é uma das cidades que mais têm
adotado medidas conservacionistas. Em junho do ano passado, o município assinou
o protocolo Abelha: a Sentinela do Meio Ambiente. Nele, a capital francesa se
comprometeu a proibir a venda de uma série de pesticidas, além de ampliar o
apoio à apicultura. Até 2020, planeja-se o plantio de 20 000 árvores em jardins
parisienses, além de 300 000 novos metros quadrados de espaços verdes - em
torno de um quinto da dimensão do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Paris
ainda é o centro urbano com a maior presença de criadouros de abelhas da
Europa, com um total de 600, ocupando uma área de 4,6 quilômetros quadrados -
parte deles instalada em tetos de edifícios e casas.
Há indícios de que a redução no
número de abelhas esteja se repetindo, em ritmo acelerado, em outros locais,
incluindo países pobres. No entanto, muitas vezes os dados coletados não são
suficientes para corroborar a tese. É o caso do Brasil, que não conta com um
histórico do número de abelhas em território nacional, de forma que os
pesquisadores não têm como comparar o número atual com os anteriores. Assim,
ficam sem saber se a redução é alarmante por aqui. "Mas há sinais de que
também sofremos do mesmo mal", afirma a bióloga Tereza Cristina Giannini,
do Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável. "Em pesquisas
de campo, descobrimos que existem regiões nas quais as plantações apresentam
déficit de polinização, refletido na baixa produção de frutas, flores e
alimentos", relata Tereza.
A favor do Brasil, contudo, pesa
um ponto que nos deixa em posição de vantagem ante a desordem. O país não é
dependente de apenas uma espécie, como ocorre com os Estados Unidos e a Europa.
Uma pesquisa da revista científica Apidologie, especializada em apicultura,
estima a existência de pelo menos 250 tipos de polinizadores em todo o
território brasileiro, dos quais 87% são de abelhas.
Por que, então, mundo afora,
apesar da essencialidade desses insetos para o equilíbrio do meio ambiente, as
campanhas de proteção a eles não recebem tanta atenção quanto as destinadas aos
ursos-polares ou aos elefantes-africanos, por exemplo? Explicou a VEJA a
bióloga americana Heather Mattila, do Wellesley College: "O modo de
funcionar do nosso sentimento de empatia está no centro desse dilema.
Sentimo-nos próximos de animais parecidos conosco, grandes mamíferos que vivem
em grupos e interagem socialmente. Devíamos, porém, olhar direito para as
abelhas. Elas trabalham duro para alimentar suas crias, organizam-se em
colônias e até se preocupam com a higiene e a segurança de suas casas. Não
devia ser tão difícil para o homem identificar-se com esses elementos".
O.k., se o fator da empatia não funcionar com as abelhas, lembre-se então de
quanto elas são fundamentais para garantir a existência de grande parte dos
alimentos que chegam à nossa mesa. Perto disso, um zumbido chato não é nada.
http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/por-que-salvar-as-abelhas
Nota do moderador sobre a materia em exposição
Julio Cesar Carneiro disse:
Julio Cesar Carneiro disse:
Nenhum comentário:
Postar um comentário